O Regime Fiscal de Incentivo à Capitalização de Empresas foi introduzido pela Lei do Orçamento de Estado para 2023, tendo sido, entretanto, já alterado na Lei do Orçamento de Estado para 2024. O objetivo da criação e posterior alteração do regime será promover a capitalização das empresas, incentivando o recurso a instrumentos de capital próprio na reunião de capital necessária à saúde financeira e à promoção do investimento empresariais.
ENQUADRAMENTO
Consagrado na Lei do Orçamento do Estado para 2023, e inspirado na proposta de Diretiva referente ao debt-equity bias reduction allowance (DEBRA), o regime fiscal de incentivo à capitalização das empresas (Regime ICE) permite uma dedução, ao lucro tributável, de uma percentagem do aumento líquido de capitais próprios realizado no período em causa.
Recorde-se que a aprovação deste regime implicou a revogação de dois benefícios fiscais anteriormente existentes, a Remuneração Convencional do Capital Social (RCCS) e a Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos, que o Regime ICE visa substituir.
Com a aprovação da Lei do Orçamento de Estado para 2024, o Regime ICE sofreu alterações, nomeadamente, no que respeita à sua elegibilidade, ao montante e ao limite da dedução anual permitida, bem como a sua aplicação temporal.
No final da presente newsletter apresentamos uma tabela resumo comparativa dos regimes ICE (2023 e 2024) e RCCS.
OS BENEFICIÁRIOS ELEGÍVEIS
São beneficiários elegíveis as sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, cooperativas, empresas públicas e demais pessoas coletivas de Direito público ou privado, com sede ou direção efetiva em território português.
É, porém, necessário que, no exercício em causa, tais entidades:
- exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola;
- não sejam entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal ou da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, nem sucursais em Portugal de instituições de crédito, de outras instituições financeiras ou de empresas de seguros;
- disponham de contabilidade regularmente organizada;
- o seu lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos; e
- tenham a situação fiscal e contributiva regularizada.
O BENEFÍCIO
O benefício traduz-se na possibilidade de dedução, no lucro tributável da entidade, de um montante a apurar de acordo com as regras do regime, determinado por aplicação de uma taxa ao montante dos aumentos líquidos de capitais próprios elegíveis.
A utilização deste benefício fiscal opera por via da declaração Modelo 22 de IRC do exercício em questão, devendo o montante do benefício ser inserido no campo 774 do quadro 07, sendo ainda, entre outros, reportáveis os dados referentes ao seu apuramento, como ilustrado em baixo.
OS AUMENTOS DE CAPITAIS PRÓPRIOS ELEGÍVEIS
Como referido, o benefício é aplicável, ao nível da sociedade, aplicando-se uma taxa sobre o aumento líquido dos seus capitais próprios elegíveis. Tal significa que não se trata da simples aplicação de uma taxa ao valor de um aumento de capital, como em regimes anteriores, sendo aqui necessária a validação, em cada exercício, se tal aumento representa um aumento líquido, apurando o balanço das operações relevantes no período.
A lei define que são considerados aumentos dos capitais próprios elegíveis:
- as entradas, realizadas em dinheiro, no âmbito da constituição de sociedades ou do aumento do capital social da sociedade beneficiária
- as entradas em espécie por conversão de créditos em capital
- os prémios de emissão, e
- a aplicação dos lucros contabilísticos passíveis de distribuição, de acordo com a legislação comercial, em resultados transitados ou, diretamente, em reservas ou no aumento do capital.
As saídas elegíveis são as que sejam efetuadas, em dinheiro ou em espécie, a favor dos titulares do capital, a título de redução do mesmo, de partilha do património, e de distribuições de reservas ou de resultados transitados.
Será efetuado um balanço dos aumentos e saídas elegíveis, tendente a apurar o montante ao qual a taxa será aplicável, resultando no benefício a deduzir no exercício. Caso a variação apurada seja negativa, o montante dos aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis nesse exercício corresponde a zero.
OS AUMENTOS DE CAPITAIS PRÓPRIOS NÃO ELEGÍVEIS
Visando combater eventuais práticas abusivas ou de difícil controlo, o legislador estabeleceu a exclusão, como aumentos elegíveis, de entradas para a constituição ou aumento de capital de sociedades, quando financiadas por aumentos de capitais próprios elegíveis na esfera de outra entidade, ou entradas em dinheiro efetuadas por uma entidade que não seja residente para efeitos fiscais num Estado-Membro da União Europeia, ou no Espaço Económico Europeu ou noutro Estado com o qual esteja em vigor uma convenção para evitar a dupla tributação internacional, acordo bilateral ou multilateral que preveja a troca de informações para fins fiscais.
Não são, ainda, considerados aumentos de capitais próprios elegíveis que sejam decorrentes de entradas realizadas em dinheiro por mútuos concedidos pelo sujeito passivo ou entidades com a qual estejam em situações de relações especiais. Abre-se, porém, exceção se o sujeito passivo comprovar que estes mútuos se destinaram a outros fins.
A TAXA APLICÁVEL NO APURAMENTO DA DEDUÇÃO
Com a entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado de 2024, a dedução anual ao lucro tributável prevista no Regime ICE passa a ser apurada por referência a uma taxa composta entre uma taxa variável, correspondente à média da taxa Euribor a 12 meses no período de tributação, adicionada de um spread de 1,5 pontos percentuais (p.p.) — o qual será de 2 p.p. caso se trate de small mid cap ou mPME.
De relevar que este incentivo é aumentado nos primeiros anos da sua vigência, sendo a taxa majorada em 50%, 30% e 20% em 2024, 2025 e 2026, respetivamente.
O LIMITE DO BENEFÍCIO
A dedução acima não pode exceder, em cada período de tributação, o maior dos seguintes limites:
- € 4.000.000 (anteriormente € 2.000.000); ou
- 30% do resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos.
Porém, na eventualidade de a dedução exceder o limite de 30% do resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos, a parte excedentária é reportável e suscetível de dedução em um ou mais dos cinco períodos de tributação posteriores, após a dedução relativa a esse mesmo período e respeitando o limite desse exercício.
O PERÍODO DE REFERÊNCIA DO BENEFÍCIO
Nos termos da Lei do Orçamento do Estado para 2024, para efeito do apuramento do benefício fiscal, o montante dos aumentos líquidos do capital próprio elegíveis passa a compreender os aumentos e saídas do próprio exercício e dos seis períodos anteriores (anteriormente, do próprio e dos últimos nove).
A MODELO 22 DE IRC (CONSIDERAÇÕES RELEVANTES A TER EM CONTA)
Entre outros campos que possam necessitar de ser preenchidos por conta deste benefício fiscal, destacamos o seguinte:
Campo 437 do quadro 04 do Anexo D da Modelo 22
O anexo D aplica-se aos períodos de 2011 e seguintes e destina-se a ser preenchido pelos sujeitos passivos que obtenham rendimentos isentos ou usufruam de outros benefícios fiscais em sede de IRC.
No campo 437 deve ser inscrito o montante do incentivo fiscal à capitalização das empresas, o qual deve corresponder ao montante apurado na coluna 14 do subquadro 04-C do referido anexo, conforme infra podemos observar.
Assim, as entidades sujeitas a benefícios fiscais deverão assegurar o correto preenchimento dos campos relevantes na Modelo 22, nomeadamente o campo 774 do quadro 07 e o campo 437 do quadro 04 do Anexo D. Considerando as recentes alterações legislativas e a importância do incentivo fiscal à capitalização das empresas, é prudente avaliar cuidadosamente estas disposições.
CONCLUSÕES
O Regime ICE deve ser contextualizado num conjunto de medidas que pretende a capitalização das empresas e que a fiscalidade seja neutra na decisão de financiamento das empresas, aproximando-se do regime fiscal do financiamento por dívida ou por capital.
Comparando o novo Regime ICE com o anterior regime em vigor no ano passado, notamos que este passa a prever a dedução por aplicação de uma taxa variável indexada à média da taxa Euribor a 12, utilizável em menos exercícios. Esta dedução é, ainda, majorada em 50%, 30% e 20% nos períodos de tributação de 2024, 2025 e 2026, respetivamente.
A comparação entre o Regime ICE e os outros benefícios que substituiu não é evidente, restando aguardar para se apurar, junto das empresas, a evolução do Regime ICE e, na prática, avaliar o seu sucesso ou insucesso.
Em face do exposto, entendemos que poderá tratar-se de um benefício relevante a acompanhar de perto pelas empresas.
TABELA COMPARATIVA
Perante o exposto, poderá salientar-se as principais diferenças entre o Novo regime ICE consagrado na Lei do Orçamento de Estado para 2024, o anterior regime ICE (Lei do Orçamento de Estado para 2023) e o Regime da Remuneração Convencional do Capital Social (RCCS), através da seguinte tabela ilustrada infra: