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O projeto Everydaycovid

© Lusa

A coordenadora deste projeto, a Aurora Diogo, é uma das pessoas que mais admiro pela sua sensibilidade estética e pelos seus trabalhos em fotografia. Pela amizade que lhe tenho, e pela pessoa que ela é, eu não podia deixar de dar o meu modesto contributo a um projeto tão bonito como este. A Aurora, que já morou cá na Madeira, contactou-me para lhe ajudar a montar a logística para a apresentação de um livro e de uma exposição, no Funchal, sobre a pandemia em Portugal. Naquele momento, o espaço da exposição não foi o fundamental. O que importou, e o que continua a fazer sentido, foi e é a reflexão sobre o que representa a ideia tanto do livro como da exposição Everydaycovid. Obrigada, Aurora, por me fazeres parte deste projeto.

A materialização destes registos em livro e a modo de exposição irá ocorrer em dois lugares e em dias diferentes. Mas é um único evento, isto é, tem continuidade entre espaços (Município de Câmara de Lobos e Universidade da Madeira) e tempos (respetivamente 21 e 22 de outubro). Fazendo lembrar, de alguma maneira, o que este vírus fez às nossas vidas. A COVID-19 mostrou que não há fronteiras, nem classes sociais, nem sexo, nem idades, nem cor de pele, nem religião para a doença e para a morte. Que derruba os governos e políticos menos capazes. Mostrou o melhor que há em nós, mas também deixou sair o que de pior alguns têm. Nesses casos, sempre foram maus por dentro e vazios de espírito. A pandemia só os ajudou a se revelarem. 

Não creio que a pandemia nos tenha tornado pessoas melhores. Mas ela fez uma coisa única: fez-nos parar. Fez-nos olhar para o silêncio do Mundo e para a fragilidade humana. Aos que já tinham nos seus corações a bondade, mulheres e homens de ouro, nunca teremos palavras suficientes para lhes agradecer.  Penso nos jovens que levavam compras à casa de quem não podia se deslocar. Dos trabalhadores e das empresas que continuaram a produzir para que não nos faltasse a comida. Das Corporações de Bombeiros em alerta. Dos professores que levaram até à exaustão a sua capacidade de acompanhamento das crianças e dos jovens. Da polícia que aconselhava e orientava (quem não se lembra da fotografia de Rui Silva? Um polícia de mãos em reza, provavelmente a pedir a uma senhora que fosse para casa. Era bom que o Senhor Polícia viesse à nossa exposição e contasse esta história). Dos médicos e dos enfermeiros que nunca abandonaram o seu povo. Mas também dos que pela política tiveram de tomar decisões, algumas difíceis. É disso que se trata este evento.

Ricardo Almeida
Embora reconhecendo a importância do ensino presencial, Alexander Kovacec, professor de Matemática da Universidade de Coimbra, grava uma aula para enviar aos seus alunos.

Para quem?

Eu penso que estes registos (livro e exposição) devem ser vistos por toda as pessoas. Ela não tem nenhum segmento de público específico. Como disse atrás: a COVID-19 é bastante democrática, quer dizer, dá-se com todos. Todos ficamos com a vida em suspenso. Este evento ser realizado na Madeira tem um particular interesse: é dar o sinal que a pandemia está a ceder. Está a enfraquecer porque fomos capazes de dar uma reposta comum. Claro que “sermos ilha” pode ter facilitado o controle da não disseminação da doença. Mas ser ilha, neste caso, serve tanto para o melhor como para o pior. Se tivéssemos falhado na resposta coletiva poderia ter sido uma catástrofe. Importa que demos uma resposta, como um todo, como comunidade. E isso é fazer nascer a esperança. É recomeçar. É, também, estar atento e cuidar pela prevenção.

A Madeira será o culminar deste projeto de registo da pandemia. Ou seja, o evento em si mesmo será registo do que ainda é o resquício da doença. Será aqui que iremos falar daquele dia, em Braga, em que João Matias registou o primeiro dia de confinamento do Francisco que, ao telefone, falava com os padrinhos que estavam em Itália e acreditava que a doença estaria “lá muito longe”. Também conta a história da primeira morte em Portugal, por COVID-19, e fala sobre o homem com máscara, auscultadores e flores de Tiago Miranda. A lente do Rui Duarte da Silva mostra-nos um homem entubado, de costas e sem rosto, nos cuidados intensivos. Da presença de Deus pelo instante do António Araújo. Do médico ou enfermeiro que segurava a mão de um doente, emaranhado em fios e tubos, que Rui Oliveira captou em Matosinhos. Também temos, é claro, a omnipresença do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa a conversar com uma camponesa num terreno de cultivo (fotografia de Miguel Lopes). Parece uma coisa surreal, à David Lynch. Os aviões em fila (registo de Carlos Pinota). Parados. Portugal interrompido. 

Gonçalo Villaverde
Num bairro antigo de Lisboa, vive-se um momento de insólita descontração: mantendo a necessária distância social, uma jovem à varanda partilha um gelado com um amigo

Todo o livro é um hino à vida, à resistência, à solidariedade e à finitude. Mostra uma aliança entre a fé e a ciência. E lá, por detrás, está a Filosofia a apreciar esse diálogo até ao limite das nossas dúvidas. Dizer, por fim, que a arte de eternizar o instante é a arte da memória. E que melhor sítio para guardar essa memória do que numa ilha?

Temos parceiros espantosos na organização deste evento. Os nossos estudantes, através da Académica da Madeira. Gostava de destacar o papel do Luís Nicolau neste processo. É das pessoas mais competentes que conheço. A sua versatilidade, organização e eficiência faz dele um ser único, com quem todos nós desejamos trabalhar.  Temos ainda o Departamento de Educação e o Centro de Investigação em Educação (CIE) da UMa que tem dado apoios de ordem diversa (aqui agradeço à Professora Ana França o seu empenho nos pormenores que são deveras importantes), o Jornal da Madeira que tem feito um trabalho espantoso de divulgação e, naturalmente, a própria UMa que cedeu os espaços e que tratou do protocolo. Um agradecimento sentido às pessoas que pertencem ao secretariado do CIE-UMa, e aos serviços administrativos, pela preciosa ajuda. Eles sabem que lhes ficamos gratos.

Gostava de referir que teremos cá quatro fotojornalistas que irão estar com os nossos estudantes de Educação (ou aqueles que a nós se quiserem associar via ZOOM), no dia 22 de manhã, no Campus da Penteada. Para mim e para eles (estudantes) é a possibilidade de perceber o trabalho que fazem os fotojornalistas. De falarmos sobre os dilemas e processos de uma profissão que tem grandes custos pessoais e financeiros e que, por vezes, não tem o reconhecimento que merece. Estou a pensar nestes e noutros fotojornalistas que, em contextos difíceis, dão a vida pelo registo do momento. A fotografia serve para a memória e para a justiça, seja na beleza da natureza ou na tristeza doença, seja na denúncia da injustiça ou na miséria da guerra. O debate com os estudantes terá esta orientação. Deve ou não o fotojornalista intervir naquilo que está a registar? Ele será sempre parte da história, seja qual for a sua opção. Quem não conhece a triste história de Kevin Carter que disparou, em 1993, no Sudão, a foto do abutre que vigiava uma criança, quase à beira da morte, marcada pela fome herdada de uma guerra civil naquele país? A fotografia rendeu um prémio, mas o fotojornalista sucumbiu à dor e suicidou-se. Esta é uma dimensão ética que será explorada com os nossos estudantes e os nossos convidados.

À tarde, no auditório principal do Colégio dos Jesuítas será apresentado o livro, por volta das 17:30, e teremos, depois, a exposição com fotografias em tamanho XL (sei que não é a expressão técnica, mas é a que me ocorre). Haverá, ainda, um momento para conversarmos ao sabor de um bom Vinho Madeira, oferecido pelos nossos bons amigos da Madeira Wine Company. 

As pessoas podem visitar a exposição na Sala dos Arcos, situada no Colégio dos Jesuítas, entre os dias 22 de outubro e 15 e novembro. É uma exposição aberta a todos e sem custos de entrada.  Fico muito grata se puderem visitar a nossa exposição.

Liliana Rodrigues

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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