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O nosso mundo

O problema, que deixaria de ser um problema se assim o entendêssemos, não é o de que não nos compreendemos uns aos outros, mas sim o de que, cada um de nós tem o seu próprio mundo dentro de si e, espera que esse mundo seja entendido e percebido pelos outros da mesma maneira que assim o concebemos.

Ora isso é impossível uma vez que, cada um de nós tem dentro de si uma vida, muito mais intensa e, talvez menos complicada, do que a vida exterior que é aquela que esbarra com as incongruências e a falta de entendimento entre o que se é por dentro e, aquilo que é possível ser por fora.

E é por falta desse entendimento, que somos exímios críticos das nossas próprias falhas, que vemos claramente nos outros, mas não tão claro assim para vermos que nos outros, elas são o reflexo de nós mesmos.

Vemos os defeitos no nosso semelhante pelo lado de dentro do nosso próprio mundo e, incompreensivelmente, esquecemos que cada semelhante nosso tem o seu próprio mundo interior.

Ontem saí do trabalho, em Shipley, às duas da tarde. Apesar do sol bonito, estava frio.

Quando cheguei ao parque de estacionamento, onde uma grande quantidade de carros, mortos até que uma chave na ignição lhes desse vida outra vez, absorviam o sol pela chapa para depois o dardejar de novo de volta à atmosfera, parei por uns segundos e deitei os olhos em redor de todo o parque de estacionamento.

Não importa muito aqui para o caso, o que vi, porque o que vi será provavelmente o que outros irão ver quando chegarem ao parque. Ou seja, uma enorme quantidade de carros mortos, à espera que a chave na ignição lhes dê vida – as árvores que ficam para lá da vedação – o edifício do lado esquerdo, onde se situam os escritórios da companhia.

Mas, e isso sim, é onde está toda a magia da existência de cada ser humano, tudo isso que eu vi e, outros irão ver também, tudo o que pensei no momento em que, mesmo distraído e acostumado à monotonia da paisagem, os meus olhos viram, tudo o que senti, todo esse enorme mundo que me acompanhou nesse momento e em todos os outros momentos que são a minha vida, é um mundo só meu, um mundo visto do meu ângulo e da minha perspetiva.

Não espero que mais ninguém saia do seu próprio mundo e o que ele constitui, para ver o meu, do meu ângulo. Isso é impossível.

Ao sair do parque de estacionamento cruzei-me com o Jepson, que dentro do seu carro ao qual tinha dado vida, uma vez mais, ao rodar a chave na ignição, me cumprimentou ao acenar com a mão. Foi no momento em que me cruzei com ele e, na troca de acenos de mão, que me lembrei, uma vez mais, que o Jepson existe. Depois, continuei o meu caminho, com os meus pensamentos, os meus ângulos de visão, as minhas emoções a eles associados e, como o comboio que desaparece no escuro depois de ter entrado no túnel que o engoliu, também o Jepson desapareceu do meu mundo, deixou de existir.

Vivemos no mesmo planeta, trabalhamos na mesma companhia, por isso voltará a existir quando nos cruzarmos novamente. No mundo dele, também eu existi por breves momentos…

Temos um mundo que nos acompanha em paralelo com a morte, porque esse mundo, tal como o conhecemos, deixará de existir quando a morte decidir dar o seu passo em frente.

Existimos uns para os outros de maneira intermitente, à medida que nos cruzamos entre mundos, pessoas, e, mesmo nessa interação que temos uns com os outros, só vemos uma parte do mundo exterior que cada um consegue, no momento, dispor.

Existimos de maneira intermitente, uns para os outros, com maior ou menor intensidade, conforme a presença que experimentamos com o outro. Menos intenso com os desconhecidos com quem nos cruzamos por acaso, mais intenso com os colegas de trabalho, porque com eles passamos mais horas do dia, mais intenso com a mulher e filhos, mesmo assim menos intenso do que com os amigos pelas horas que as redes sociais e a televisão, bem como o tempo a dormir, nos rouba.

Vivemos, enquanto vivemos, todos no mesmo planeta, no entanto, não vivemos todos no mesmo mundo.

(Diário das pequenas reflexões)

António Magalhães    

 

 

 

 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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