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O inquilino eventual

Ele é uma visita que ninguém deveria conhecer. Quem ama a vida não pode se arriscar a recebê-lo dentro de casa. Mas ele só vem se alguém sair e for buscá-lo na rua.

Ele sempre está procurando um lugar novo pra morar. Fica se esgueirando por todo lado, pela cidade inteira, em todas as ruas, em cada comércio, dentro dos ônibus, metrô, trem, nos táxis, em cada esquina procurando uma casa pra morar, um lugar seguro, aconchegante e bem quentinho pra se hospedar.

Não conseguimos vê-lo quando saímos nas ruas, mas ele nos vê. Fica esperando, de vigia pra nos abordar. 

Também não o vemos nos seguindo quando  voltamos pra casa, mas ele nos segue, vem abraçado, mesmo sem ter sido convidado, um parasita grudado  em nós, feito carrapato montado no boi.

E ele não é um locatário cheio de frescura, não. Não se importa se a casa fica em uma grande capital ou numa cidadezinha do interior, se é uma mansão em condomínio fechado, uma cobertura milionária ou uma casinha de vila, nem mesmo um barraco de tábuas e papelão numa comunidade sem água e sem luz. Ele se adapta até debaixo de uma marquise ou sob um viaduto qualquer.

Quem está em casa não o vê entrando com a gente e abraçando todos da nossa família e até os amigos que estiverem ali. Ele adora aglomeração, não falta a uma reunião e entra de penetra em todas as festas, nos bares lotados, em todas as baladas. Detesta ficar sozinho: quanto mais gente, mais ele se enturma com todos. E dança, ri, come, bebe, deita, dorme e acorda com todo mundo.

E sem que ninguém perceba ele passa a conviver com todos nós, geralmente por um curtíssimo tempo, sai com quem sai a toda hora, abraça quem encontrar pelas ruas e vai com estas pessoas pra suas casas, ao mesmo tempo em que volta com a gente para as nossas casas, se ainda tivermos forças pra voltar.

Ele é um hóspede mudo e dissimulado que não se demora muito em cada moradia. Via de regra, sua permanência como nosso inquilino é bem curta mesmo. Ele faz questão de não se demorar na mesma hospedaria. Contudo, ele se sente inteiramente à vontade em qualquer casa e se comporta como se fosse um velho membro da família. Tira o máximo proveito de nós quando o acolhemos, como se fôssemos um hotel de luxo onde nada lhe faltasse para permanecer bem vivo.

Nunca paga aluguel, porém cobra caro pra morar e ainda expulsa o proprietário da casa quando bem quer. Ah! Ele cobra caro, sim, de todos que o abrigam, mas o valor cobrado por ele é o mesmo sempre, um valor que nunca se altera, sendo a casa rica ou pobre. Ele, portanto, não discrimina e não escolhe onde e em quem morar.

Ele é um intruso invisível e itinerante que consegue se esconder em muitas residências ao mesmo tempo, mas só permanece na mesma casa enquanto houver alguém morando nela.

No curto período em que mora conosco, ele nunca nos deixa vê-lo, e quando conseguimos sentir a sua incômoda presença, normalmente já estamos sem forças e sem ânimo para expulsá-lo.

Quando passamos mal, quando sentimos cansaço e fortes dores no peito, quando nos falta o ar, quando não conseguimos andar nem falar, ele não nos abandona nem por um segundo.  Mas não pensem que é por solidariedade que ele nos acompanha quando alguém nos leva às pressas para o hospital e que fica ali ele conosco até o fim, até deixarmos de sofrer e sermos liberados pelos médicos pra ir morar em uma casa até então desconhecida. Ele fica do nosso lado, como um fiel guardião, unicamente pra ter a certeza de que pagaremos o altíssimo preço que cobra por ter morado alguns dias em nossa antiga casa.

E quando nos cobra o último aluguel (e isso normalmente acontece quando estamos longe da casa onde o resto da nossa família nos espera), sem deixar que o vejamos e sem nos dizer uma única palavra, ele nos põe uma venda nos olhos e na boca e leva o nosso bem mais precioso, nos impedindo definitivamente de voltar pra nossa família.

Portanto, se você não quiser encontrar este visitante e ser obrigado a levá-lo pra sua casa sem perceber, evite sair sem necessidade, proteja-se e proteja a sua família, os seus amigos, seus vizinhos e até as pessoas que você não conhece.

Um abraço com o meu carinho pra todos vocês (abraço, por enquanto, à distância)

Remisson Aniceto é escritor de Nova Era, Minas Gerais, no Brasil

 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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