
Nos confins do capitalismo moderno, onde já não nos espantamos com a existência de subscrições para quase tudo – desde séries e filmes até meias e lâminas de barbear –, eis que surge um novo modelo de negócio a desafiar a lógica e a deixar-nos boquiabertos: o aluguer de galinhas. Sim, leu bem. Nos Estados Unidos, à boleia da subida astronómica do preço dos ovos, um número crescente de cidadãos está a recorrer ao serviço de aluguer de galináceos, numa espécie de “Netflix da avicultura”. E, sejamos francos, isto é absolutamente brilhante.
Mas antes de mergulharmos neste fenómeno, convém analisarmos a origem deste problema: o preço dos ovos. Se há coisa que sempre considerámos um dado adquirido na vida, é que o ovo é um produto barato e acessível. Afinal, é uma esfera modesta de proteína, que nasce de uma galinha que se alimenta de migalhas, minhocas e das migalhas de minhocas. No entanto, devido a factores económicos, crises no sector agro-alimentar e até surtos de gripe aviária, os ovos nos Estados Unidos tornaram-se tão valiosos que, se a tendência continuar, é provável que passem a ser vendidos em pequenas caixinhas forradas a veludo, com um certificado de autenticidade e um segurança ao lado.
Ora, perante este cenário apocalíptico do pequeno-almoço, o americano médio fez aquilo que melhor sabe fazer: empreender. Se o preço do ovo bate recordes, então o mais lógico seria ir diretamente à fonte. Mas há um problema: manter galinhas dá trabalho. Requer espaço, alimentação, manutenção e, acima de tudo, uma disposição emocional para lidar com criaturas que acordam a cantar às cinco da manhã, como se fossem membros de um coro celestial extremamente desafinado.
E assim, de forma tão inevitável quanto genial, surgiu a solução moderna para este dilema: o aluguer de galinhas. Um serviço que permite às pessoas desfrutarem dos benefícios de ter galinhas poedeiras sem o compromisso a longo prazo. Funciona mais ou menos assim: um fornecedor entrega-lhe um conjunto de galinhas já treinadas (presumo eu, porque nunca vi uma galinha ser “desalugada” por mau comportamento), juntamente com um galinheiro portátil, ração e tudo o que for necessário para a experiência avícola completa. Durante alguns meses, pode viver o sonho de colher ovos frescos no quintal e ostentar, perante os vizinhos, o estatuto de “agricultor amador”.
Mas o detalhe mais fascinante deste conceito é a forma como ele transforma a galinha num bem transacionável, equiparando-a a um carro de aluguer ou a uma bicicleta partilhada. Imaginem um senhor engravatado, de clipboard na mão, a fazer a inspeção da galinha devolvida:
— Bom, vejo aqui algumas penas desalinhadas… Algum acidente durante o período de aluguer?
— Não, não, ela é que se meteu com o galo do vizinho e a coisa azedou.
— Certo… Vou ter de lhe cobrar uma taxa de despenamento ligeiro.
Além do seu inegável valor humorístico, esta nova economia do aluguer de galinhas levanta também questões filosóficas profundas. Se podemos alugar galinhas, o que mais podemos alugar no futuro? Vacas para leite fresco à porta de casa? Um porquinho para reciclagem biológica de restos de comida? Um rebanho de ovelhas para cortar a relva do jardim? O conceito do “Pay-as-you-go Poultry” pode bem ser apenas o início de uma revolução agrícola doméstica.
Mas há outro lado desta tendência que merece reflexão. Até que ponto isto não será uma metáfora perfeita para o mundo moderno? Antigamente, a posse de galinhas era um sinal de auto-suficiência. Quem tinha um galinheiro no quintal não só tinha ovos garantidos, como também um pequeno exército de exterminadoras naturais de insectos e, claro, uma fonte inesgotável de entretenimento (porque, sejamos honestos, galinhas são criaturas hilariantemente caóticas). Hoje, porém, até a auto-suficiência vem sob a forma de subscrição temporária.
E que dizer do impacto ambiental? A produção industrial de ovos é um sector com uma pegada ecológica significativa. As condições intensivas em que muitas galinhas vivem nas grandes explorações avícolas têm sido alvo de críticas há décadas. Ao promover o aluguer de galinhas para produção doméstica de ovos, este modelo pode ser, inadvertidamente, um passo na direção certa para uma agricultura mais sustentável. Afinal, um pequeno grupo de galinhas no quintal não requer o mesmo nível de recursos que uma exploração em larga escala.
Mas, claro, há também os desafios logísticos. Se um número crescente de pessoas começa a alugar galinhas, não estaremos a caminhar para um futuro onde haja um mercado negro de galináceos? É inevitável imaginar um cenário onde, em becos escuros de Nova Iorque, um homem com um sobretudo sussurra:
— Ei, chefe, preciso de uma poedeira. Uma que dê pelo menos cinco ovos por semana.
— Tenho uma Rhode Island Red impecável, 100% produtiva, sem multas em atraso.
E que dizer do drama emocional do fim do período de aluguer? Como explicar às crianças que a sua querida Matilde, que tantos ovos lhes deu, tem de ser devolvida porque o contrato expirou? Será que vamos assistir a um aumento das adopções ilegais de galinhas?
Além disso, há a questão do marketing. Até onde irá a criatividade das empresas nesta indústria? Será que veremos anúncios com slogans como “A sua galinha, à sua maneira” ou “Subscrição de ovos premium – frescura garantida”? Talvez surjam até programas de fidelização, em que, após cinco períodos de aluguer, tenha direito a uma galinha grátis.
No fundo, o que este fenómeno nos ensina é que a criatividade não tem limites e que, se há procura, haverá sempre uma solução de mercado – por mais ridícula que possa parecer à primeira vista. Mais do que uma excentricidade americana, o aluguer de galinhas é um reflexo da nossa sociedade moderna: um mundo onde tudo pode ser temporário, onde até o pequeno-almoço pode ser gerido por contrato e onde o regresso à natureza acontece, ironicamente, através de um serviço de subscrição.
Então, se alguma vez o preço dos ovos lhe parecer absurdo e o espírito empreendedor americano lhe despertar um brilho no olho, lembre-se: pode sempre alugar uma galinha. E, quem sabe, talvez estejamos à beira de uma nova moda global.
António Ricardo Miranda