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O dilema da Alemanha é o impasse da Europa

O dilema da UE resume-se no confronto de dois sistemas de organização político-administrativa e na dualidade de interesses de uma Alemanha que é demasiado grande para ser só nação e demasiado pequena para ser império! A Alemanha como fulcro da Europa teria de estar, por natureza, virada para leste (Rússia) e para o ocidente (países latinos), o que implicaria a consequente implementação dos seus interesses económicos nos dois sentidos e consequentemente uma desquitação europeia dos EUA, o que inquietaria a França e outros países da UE. Devido à sua situação geográfica e social-histórica, a Alemanha, a longo prazo, não poderá deixar de oscilar entre o expandir da sua influência no sentido do Leste e no sentido do ocidente (e sul), o que constitui problema para uma França (a mudança da Capital de Bona para Berlim é também consequência da sua resposta à fidelidade histórica).

Um outro aspecto que, no meu entender, a opinião pública publicada tem menosprezado é o facto de a Alemanha resumir federalmente nela a grande ideia europeia de Carlos Magno, “o pai da Europa”. A Alemanha federal já realizou de maneira exemplar o caminho que a EU terá de realizar, não por convicção, mas por força das circunstâncias económica e estratégicas mundiais (o afirmar-se de novas constelações concorrentes, como China e grupos supranacionais).

A atual filosofia centralista de Bruxelas corresponde a uma violação dos seus próprios interesses e do seu génio pois quer amarrá-la definitivamente aos romanos e por outro lado despreza os processos de desenvolvimento da independência histórica das diversas soberanias europeias.

Os países latinos de pensamento mais abstrato e centralista não estão dispostos a aceitar a realidade da influência económica germânica nem a compreender a dicotomia dos interesses de um país forte no centro e norte da Europa. A União Europeia, fora de sentimentalismos bairristas, para ser construída com os pés na terra, terá de ser construída a partir da Alemanha e para já no sentido de uma confederação de Estados.

O Brexit é um aviso e terá de constituir para a Alemanha, um grande momento de reflexão crítica sobre o constructo da UE até agora artificialmente produzido. Consequentemente, a UE que temos, precisa de uma substancial remodelação a nível de concepção e de modelo de realização (repensar a organização política de vários Estados num „Estado federal” que, a nível internacional, perdem autonomia, porque as constituições estatais se teriam de subjugar a uma constituição central). De considerar que o que hoje a inteligência não vê, amanhã a necessidade obrigará.

Trump que joga com o dilema germânico, que se torna também no dilema da Europa, tenta cativar o Reino Unido no sentido do império anglófono e ao mesmo tempo enfraquecer a Europa, debilitando a Rússia, com o aumento da presença militar da NATO na sua fronteira e com a implementação de sanções económicas. De notar também a agressividade do governo dos EUA contra o actual empreendimento russo-alemão de construir um gasoduto entre os dois países. As guerras são sempre de base económica e ideológica no sentido de formar hegemonias…

O problema alemão não resolvido historicamente será o de se decidir por expandir no sentido leste ou oeste. Os EUA e a França farão tudo por tudo para que a Alemanha se vincule exclusivamente ao Ocidente europeu. Forçar a Rússia a unir-se à China constituirá, porém, um erro europeu histórico que adiarão o natural processo de desenvolvimento e definição europeia.

A UE tem de arredar caminho na sua estratégia de desautorizar nações membros e de se armar em juiz sobre os países a ponto de os humilhar, como tem acontecido a membros que se manifestam ainda adolescentes nas suas atitudes e exigências. A estratégia de fomentar oposições ou de se castigar grupos rebeldes num país membro corresponde a uma estratégia de guerra e não de paz, ao contrário do que pretende defender com a criação da UE como espaço de paz. A Europa, atendendo à sua História e à história dos diferentes países, está vocacionada a tornar-se antes numa confederação de Estados e não primeiramente numa apressada federação em que estes teriam consequentemente de renunciar à sua soberania, historicamente alcançada depois de muitos séculos de lutas.

O Presidente francês Emmanuel Macron disse na TV suíça (11.06.2019) que daria o seu voto a Ângela Merkel para Presidente da Comissão Europeia, embora a chanceler alemã tenha já excluído essa hipótese. Macron disse aí que a “Europa precisa de personalidades fortes que tenham uma credibilidade e competência pessoal para preencher as posições” (Talvez sob esta proposta se encontre a esperança de uma mulher germânica amarrar mais a Alemanha aos interesses da Europa do Sul!). A concretização dessa proposta resolveria o impasse da escolha em via para tal posto, mas não resolveria a questão de fundo da EU. A questão a resolver será a de transformar o constructo da UE numa instituição orgânica europeia. O Povo a acordar não quer que Zeus desvie a Europa para fora dela… Segundo a mitologia grega a Europa era uma princesa fenícia que deu o nome ao continente Europeu. O Deus Zeus apaixonou-se por ela e para passar desapercebido aos ciúmes de sua mulher transformou-se num touro misturando-se nos reses de touros do pai de Europa e como era brilhante e manso seduziu a princesa Europa, que ao colocar-se no seu dorso se viu transportada rapidamente para Creta onde desfrutou dela, abandonando-a mais tarde.

Nos últimos 70 anos, o crescimento económico tem garantido a Europa pacífica… agora que “outros valores mais altos se levantam” como a (China) e em que o povo se começa a intrometer no processo da UE instam grandes transformações. Um aparelho burocrático a que falta a alma (povo), se não arrepia caminho, corre, cada vez mais o perigo de se transformar numa ilusão…

O centralismo exagerado foi o coveiro de grandes civilizações. O que está em jogo na UE é a velha luta europeia entre o centralismo francês e o federalismo germânico e entre a hegemonia americana na Europa e uma Europa que possa olhar de olhos nos olhos os EUA, além da falta de realismo de que grande parte da Rússia é europeia (ao contrário de uma Turquia que já o foi e cujo movente é puramente económico).

A experiência feita dos nacionalismos como fonte de guerra e o seu ressurgimento atemoriza muitos bons pensantes europeus (de momento, porém, tais movimentos não expressam mais que a necessidade de correcções num conceito de EU talvez demasiado capitalista-socialista).

A UE como a Europa encontram-se em contínuo processo de mudança tendo, depois da II Grande Guerra, criado vários laços circunstanciais .

A UE tem estado a ser construída em contradição com a dinâmica da formação orgânica das estruturas de um Estado. Daí o Brexit e os movimentos nacionalistas surgentes como sintoma de um problema maior: o da oligarquia burocrática de Bruxelas atrelada a um globalismo liberal anónimo e sem limites. Tem-se feito muito trabalho louvável, mas falta a coesão que lhe daria vida e esta chama-se povo.

A UE tem de ser refeita; o permanente estado de crise de Bruxelas vem principalmente do facto de os seus actores terem querido fazer do cume da pirâmide a sua base ao ignorar povo e a tradição. A oligarquia transforma-se assim numa espécie de Olimpo longínquo em oposição aos terráqueos. Tudo seria mais fácil se não fossem as duas almas da europa a terem de ser metidas num só corpo (UE): o génio federalista alemão ligado à terra e o génio centralista francês mais um parto de cabeça e por outro o génio católico latino em confronto com o protestantismo nórdico.

Não admira que o Presidente francês Macron esteja a avançar com o seu desejo de liderar o discurso sobre a reorganização de uma UE a fim de a modelar no sentido centralista do tipo francês; é também compreensível que os alemães se mostrem reservados, embora uma verdadeira União Europeia possa ser mais bem acomodada, posteriormente, num molde federalista à semelhança do alemão.

A hora dos alemães só chegará depois de alguns erros economicistas e de alguns exageros latinos. Os movimentos nacionalistas, que se encontram de vento em popa apesar das anticampanhas da classe estabelecida nas capitais europeias, são a melhor prova de como tem sido mal encaminhado o discurso sobre a Europa: um discurso demasiadamente orientado no sentido autoritário e autocrático provoca o desrespeito nos relegados a espectadores. A agressão que durante anos se cultivava contra Angela Merkel e o seu Ministro da Economia, nalguns estados latinos, pode considerar-se em parte equivocada ao querer reduzir o espírito alemão ao aspecto económico.

Objecto de uma discussão séria seria a elaboração de um superestado central ou de uma confederação, e assim se ultrapassar um discurso público reduzido ao economismo. A observação das duas mentalidades pode ser constatada no partido francês de Le Pen que luta no sentido de uma soberania nacionalista centralista e no partido alemão AfD que centra o seu discurso mais num contexto europeu cultural que colmataria numa UE – uma confederação de estados que respeite a gene de uma Europa das nações.

Que seria dos bons se não houvesse os maus e que seria dos maus se não houvesse os piores nem os melhores! Do desprezo recíproco surge a energia alimentadora da guerra que descrita na perspectiva do discurso de uns e dos outros só pretende o bem, o desenvolvimento.

António da Cunha Duarte Justo

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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