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O covid deu, o covid tirou

A minha aventura como técnico na indústria aeroespacial começou na Irlanda do Norte, numa pequena vila piscatória chamada Kilkeel, situada entre, mais a norte da ilha, Belfast (cerca de 50 milhas) e a Sul da vila, Dublin (84 milhas).

Se começo esta crónica pela bonita e acolhedora vila de Kilkeel, de onde guardo algumas boas recordações dos inícios desta minha jornada, profissionalmente, pelos meandros da indústria aeroespacial, mais propriamente a aviação, é só para que me possa situar no contexto da razão de ser e da mensagem que se pretende transmitir no texto, uma vez que, como um dos efeitos colaterais da corrente pandemia, a indústria foi, em termos económicos é obvio, uma das primeiras a ser implacavelmente afetada.

A companhia para a qual eu iniciei esta minha aventura como técnico, no ramo aeroespacial, foi uma das leaders mundiais no fabrico de grande parte do interior dos aviões, entre os quais os assentos, regulares, primeira classe, business executive, platinum etc.

As instalações da então BE Aerospace situadas na pequena vila de Kilkeel davam abrigo laboral a mais de mil trabalhadores, e eu era um deles.

Não é minha intenção pormenorizar detalhes do meu trabalho como técnico da indústria, mas não resisto em mencionar, nesse período, uma oferta para que me deslocasse à Carolina do Norte, Estados Unidos, para dar suporte a uma equipa de mecânicos da United Airlines, que seriam os responsáveis por colocar os assentos de primeira classe e business executive, dentro dos aviões, produto que a BE Aerospace, companhia para quem eu trabalhava em Kilkeel, fabricava.

“Então e que faço eu na terra do Tio Sam durante essas três semanas?” perguntei ao meu manager que me respondeu prontamente, “Nada. Os mecânicos vão desmontar os assentos lá na Carolina do Norte para os colocarem dentro do avião e depois voltam a montá-los no devido lugar. A tua tarefa é apenas observar e estar disponível para responder a quaisquer dúvidas que eles tenham ao executar o trabalho.

O produto de que se fala era um projeto novo da companhia, desenvolvido em exclusivo para a United Airlines, produto esse bastante sofisticado, com todas as mordomias a que um bilhete de cerca de doze mil dólares dava direito. E luxo não lhe faltava. Desde as cómodas reclinações do dito cujo, às consolas, vídeos, compartimentos para higiene pessoal etc. Tudo isto numa espécie de concha que fazia parte do assento.

A razão pela qual eu fui nomeado para representar a companhia na assistência à colocação do novo produto dentro dos aviões, lá na Carolina do Norte, prendeu-se com a boa impressão que os Ianques  tiveram quando enviaram a equipa de mecânicos  para duas semanas de demonstração de desmontagem e montagem dos assentos, demonstração essa da qual eu fiz parte pois trabalhei no projeto com os devidamente qualificados engenheiros, desde o princípio, e por isso tinha conhecimento, mas acima de tudo, a dedicação que acabaria por impressionar a dita equipa de mecânicos da United Airlines, e daí o terem requerido o meu apoio na Carolina do Norte. Tanto que, regressados à América, depois de concluídas as duas semanas de demonstração, o chefe da equipa enviou um email à BE Aerospace a agradecer todo o apoio que lhes foi facultado, e um “special thanks to the Portuguese Fanando, pelo indispensável e tão proveitoso apoio e partilha de conhecimento.”

Chamem-lhe falta de modéstia  se quiserem, mas em minha defesa posso argumentar que só mencionei o episódio porque os nossos amigos Ianques foram incapazes de mencionar o meu nome corretamente uma vez que, na minha certidão de nascimento se prova que sou Fernando e não Fanando, pormenor que, apesar de tudo eu perdoei aos amigos Maricanos, pois sabia que dariam o erro mesmo antes de eles atentarem a escrever o nome.

Talvez por isso que, ca por terras de sua majestade quase todo mundo que me conhece começasse por me chamar António, ao que parece mais fácil de pronunciar. Tenho quatro nomes…sirvam-se. Escolham.

Quando concluído o contrato na Irlanda do Norte, surgiu um outro em Amesterdão, no Schipool Airport a trabalhar para a KLM.

Novo contrato, novo desafio. Desta vez no hangar 14 do aeroporto a reparar as galleys, ou seja, para os mais leigos na matéria, as cozinhas que normalmente ficam situadas na frente, junto ao cockpit, e na parte de trás do avião.

Era um novo desafio e eu gosto de novos desafios.

Entre muitas outras memórias que guardo desses tempos em Amesterdão o que mais vivamente recordo com satisfação foi o concerto que tive a oportunidade de assistir, de Roger Waters, em Landgraaf, na tour “Dark Side of The Moon”.

O desafio agradava-me imenso, mas depois de vários meses longe dos meus amados, com alguma pena deixei Amesterdão e iniciei um outro desafio de volta a território Inglês, numa cidade chamada Byfleet, nos arredores de Londres.

À medida que o tempo foi passando e à medida que fui ganhando experiência tornei-me num bom profissional. A experiência por vezes é um bom certificado de competência e profissionalismo.

Por esse motivo tive o privilégio de trabalhar com algumas companhias líderes mundiais no ramo aeroespacial.

A acrescentar à Irlanda do Norte, Amesterdão e Byfleet, temos também Gatwick, País de Gales, Cambridge, Dinninghton, Leighton Buzzard, Luton e Bradford.

Em Leighton Buzzard, um contrato que era para seis meses, foi sendo sempre renovado durante sete anos.

Quem trabalha na indústria aeroespacial sabe que a interpretação e execução de desenhos de engenharia, referentes ao trabalho que se executa, é muitíssimo importante.

Mas, em sete anos de companhia, de dedicação e profissionalismo, acima de tudo, sentido de responsabilidade, chega-se ao ponto em que, a maior parte das vezes já nem sequer é preciso recorrer ao computador para consultar as direções que os desenhos de engenharia proporcionam uma vez que, como já foi dito no decorrer desta crónica, a experiência é um dos melhores certificados de competência e conhecimento.

Tudo então a correr sobre rodas. Tudo a correr sobre rodas até que…vindo lá dos quintos da Gronelândia aparece o inimigo invisível, e uma das indústrias mais robustas em todo o mundo, de repente torna-se umas das mais frágeis e vulneráveis de sempre. Milhares de pessoas, eu entre elas, perderam o seu emprego.

Nessa época escrevi uma crónica que foi publicada no BOM DIA e no blogue Tempo Caminhado. Crónica essa que até me trouxe alguns dissabores. Mas isso aí talvez fosse culpa minha porque não me terei explicado bem. A ideia não era que, das poucas pessoas que leram o artigo, algumas delas pensassem que eu me estaria a lamentar, e por esse motivo me estivessem a dar uma espécie de pesar, do qual eu não tinha mesmo necessidade nenhuma.

Como diria o Diácono Remédios… Ó meus amigos zzz não havia necessidade zzz.

Não sou homem de baixar os braços, mas sim de ir à luta, nas boas e nas más circunstâncias.

Por isso mesmo, duas semanas depois recebo um telefonema para fazer parte do projeto “UK Ventilator Challenge” e começo a trabalhar em Luton, na GKN Aerospace, companhia que fazia parte de um vasto leque de prestigiadas companhias como a Rolls Royce, Mc Laren, Smiths Medical, etc. no fabrico de ventiladores para o Serviço Nacional de Saúde, NHS.

Alem de ser mais um desafio, novo, novíssimo, foi acima de tudo um desafio muito especial uma vez que, o meu trabalho e dos meus colegas que fizeram parte desta equipa de profissionais dedicados, ajudou com toda a certeza a salvar vidas.

Depois, à medida que o tempo foi passando, os números de vítimas fatais foram descendo. E ainda bem que sim. O Reino Unido infelizmente fez, e continua a fazer, parte das listas de maior número de mortes pela covid 19 na europa e no mundo.

Os números desceram. E ainda bem que desceram, mesmo que por esse motivo o governo tivesse cancelado o projeto e mais uma vez eu ficasse sem trabalho. Desempregado, quero eu dizer.

Desta vez não escrevi um artigo acerca do assunto. Também não me fiquei a lamentar pelos cantos. Servi-me do computador para apelar para qualquer tipo de trabalho. Qualquer tipo de trabalho. Desde que, obviamente, decente.

Depois de quase três semanas e muitas aplicações para tudo o que viesse à rede, eis que recebo um telefonema de Bradford. Novo desafio. Desta vez a fabricar máquinas de alta precisão, numa companhia que é líder de mercado e que orgulhosamente exibe the Queens Awards for Enterprise.

O meu curriculum falou por si só, e a companhia ofereceu-me um contrato bastante decente. Não fosse este vírus, (que não deixa de ser um maldito) e eu não viria parar a um outro interessante desafio na minha vida.

O covid tirou, o covid voltou a dar, voltou a tirar e acabou por proporcionar… New challenge.

António Magalhães

 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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