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O CNE e a eugenia associativa

Hoje dia, 28 de Fevereiro de 2020, faz dois anos que os actuais membros do CNE tiveram a sua primeira reunião «a sério», depois de ter eleito o seu presidente e vice-presidente numa reunião inicial em 23 de Janeiro. Em 28 de Fevereiro, há dois anos, a ministra esteve presente na reunião plenária para solicitar ao “nosso” recente Conselho Nacional de Estrangeiros — CNE que se pronunciasse, no prazo de 15 dias, sobre o Plano de Acção Nacional para a Integração. Dos 34 membros do CNE, há 26 que se apresentaram.

Mais recentemente, foi enviada por correio electrónico, em 17 de Fevereiro, uma carta do Ministério da Integração, datada de 14 de Fevereiro. Esta carta foi dirigida às associações registadas junto do Departamento da Integração do ministério em causa, como eleitoras do CNE. É pedido às associações que forneçam ao departamento ministerial “a lista dos administradores nomeados em conformidade com os estatutos do ano em curso; a lista actual de membros; o mais recente relatório de actividade mais recente da vossa associação”. Esta requisição, afirma a missiva, é feito em conformidade com o Regulamento grão-ducal de 15 de Novembro de 2011 que determina os procedimentos de nomeação de representantes de estrangeiros para o CNE. Este pedido deve ser completado antes de 28 de Fevereiro, sabendo que “as associações que não respeitem este pedido ou que transmitam dossiers incompletos serão automaticamente retiradas do registo mantido pelo Ministério da Integração”. Começa a perceber-se aqui um padrão dos pedidos com prazos de 15 dias.

Em resposta a uma questão parlamentar do deputado Marc Baum, déi Lénk, a ministra Corinne Cahen, informou que “será enviada uma carta às associações para prorrogar o prazo de resposta inicial por 15 dias úteis”. A resposta dada pelo responsável governamental para o sector da integração também nos informa que a razão para o curto prazo inicial foi “a necessidade de substituir os membros demissionários e devido à urgência invocada pela Presidência do Conselho Nacional de Estrangeiros

Uma primeira leitura do presente processo não nos permite ver nada de estranho. No entanto, e com uma análise mais pormenorizada, é rapidamente perceptível que a “coisa” talvez não seja assim tão simples.

Vejamos por partes.

O regulamento em causa determina quais as associações que têm o direito de votar os membros da parte eleita do CNE (a saber, dos 34 membros do CNE, 22 membros são eleitos e 12 nomeados pelo ministro da tutela, sob proposta dos parceiros sociais). O regulamento em cause estabelece ainda que: “As associações de estrangeiros com uma actividade social, cultural ou desportiva, sendo que a maioria dos membros fundadores ou a maioria dos membros actuais, são de nacionalidade outra que a Luxemburguesa” e “as associações que trabalham essencialmente a favor dos estrangeiros”.

Ora, penso não arriscar demasiado se avançar que o número de associações que preenchem estes dois critérios se situa, com certeza, bem acima das quinhentas. A questão que se impõe é: quantas são as associações eleitoras do CNE? A 8 de Julho de 2017, dia em que os actuais membros do CNE foram eleitos, esta lista contava com 55 associações. O processo de actualização dos ficheiros do Ministério, coincidindo com um período de férias escolares e nas com as semanas que antecedem ao Festival das Migrações, não pode ter outra consequência que não seja uma “limpeza” da lista de eleitores.

Deve também colocar-se a questão sobre as razões que levaram os serviços do Ministério a não tornar esta abordagem acessível a TODAS as associações que podem tornar-se eleitoras do CNE. Cabe ao Ministério manter essa lista e, naturalmente, promover a participação nas eleições do CNE. Relembremos que o papel do CNE se resume a “estudar, por sua própria iniciativa ou a pedido do Governo, os problemas relativos aos estrangeiros e à sua integração [; sobre] todos os projectos que o Governo considere adequados para submeter-lhe, da o seu parecer no prazo fixado pelo Governo [;] apresentar ao Governo qualquer proposta que considere útil para melhorar a situação dos estrangeiros e das suas famílias [; e submeter ao Governo] um relatório anual sobre a integração de estrangeiros no Luxemburgo”. Não compete ao CNE gerir a lista dos seus eleitores. Com efeito, o CNE não detém sequer o poder de organizar a sua própria eleição.

Quanto ao funcionamento do CNE, deve dizer-se que, durante todo o ano de 2019, a taxa de absentismo dos membros do CNE foi de 48 % (40 % para os representantes eleitos e 64 % para os nomeados). Nem para os representantes eleitos nem para os nomeados, mais de metade das ausências nunca foram justificadas (56 % e 54 %, respectivamente). Houve mesmo 5 membros que não se apresentaram a nenhuma das reuniões plenárias. Podemos acrescentar 3 membros demissionários que não foram ainda substituídos. Mais de metade dos membros não estiveram presentes em mais de metade das reuniões. O nível de participação entre a primeira e a última reunião de 2019 passou de 22 para 9. É 4ª vezes, de seguida, que a sessão plenária do CNE não tem quórum e a reunião deve adiar-se para a semana seguinte. Por conseguinte, o argumento da urgência é totalmente incompreensível. A urgência está em vigor há já alguns meses e foi mesmo levantada na sessão plenária de 18 de Setembro de 2019. Quase meio ano depois, qualquer urgência é desprovida de sentido. Resulta igualmente do referido regulamento que «[a] lista de inscrições será revista anualmente». A menos que esta revisão não tenha sido realizada em 2018 e 2019, torna-se ainda mais difícil compreender toda esta urgência, tanto mais que se prevê as possíveis consequências.

As razões para este aumento da taxa de absentismo são diversas e divisíveis entre factores endógenos e exógenos. A anarquia com as datas e horas das reuniões será uma das mais importantes. A título de exemplo, podemos referir tanto a incapacidade interna para tomar decisões quanto ao horário e à frequência das datas para as reuniões, mas também a impossibilidade de certas datas, dada a indisponibilidade do secretário colocado ao serviço do CNE pelo Ministério da Integração. Um funcionário ministerial é um ser humano e tem também uma vida pessoal — é precisamente por esta razão que os ministérios têm vários funcionários.

O modelo do Conselho Nacional de Estrangeiros com a maioria dos membros estrangeiros foi uma conquista após vários anos de luta pelas associações de estrangeiros no Luxemburgo. Este modelo está agora em risco. Com uma eleição que teve lugar em Julho, na sequência de um convite à apresentação de candidaturas e de inscrições para a lista de eleitores efectuado de forma bastante discreta, este último processo terá certamente o resultado de retirar das listas eleitorais do CNE as associações dos estrangeiros no Luxemburgo. Não sobrarão muito mais do que aquelas que “actuam principalmente a favor de estrangeiros”, apesar de o seu corpo associativo não tenha “[uma] maioria dos membros actuais [com] uma nacionalidade diferente da luxemburguesa».

Vendo-se impedidos para as próximas décadas de aceder ao voto para as eleições parlamentares, só o CNE pode fazer ouvir a voz dos estrangeiros junto das autoridades do Grão-Ducado do Luxemburgo. Agora, o processo deve continuar a esvaziar a legitimidade deste Conselho. Tal qual escudeiros espojados por terra atrás da cadeira do seu mestre. depois de o terem servido o dia inteiro, os estrangeiros só têm de esperar pelos migalhas que podem cair da mesa grande.

Em 2018, o PIB per capita do Luxemburgo era de quase 100,000 EUR por pessoa. O orçamento do CNE é de 20,000 EUR para o ano de 2020: 0,0001 % do orçamento total do Estado para 2020. Para o governo, a voz de cada estrangeiro residente no país vale tão só 7 cêntimos do euro.

 

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