Numa cidade distante, mas igual a tantas outras, moravam dois indivíduos peculiares: o Eu-é-que-Sei e o Só-Acontece-aos-Outros. Tinham por hábito, ir tomar um café ao final do dia, e discutir os assuntos da atualidade:
– Já ouviram falar de fulano? Eu bem lhe disse para não se meter com aquele tipo de gente. – disse o Eu-é-que-Sei.
– A mim não me aconteceria aquilo!- exclamou o Só-Acontece-aos-Outros.
– Não sejam assim!- interrompeu o dono do café. – Azares acontecem a todos.
– Isso não é bem assim! – resmungou o Eu-é-que-Sei. – Vou andando. Até amanhã.
E assim era, quase todos os dias. Nem um nem o outro davam o braço a torcer, fosse qual fosse o tema.
Num final de tarde de novembro, e após uma semana de grandes chuvas, toda a cidade falava sobre o mesmo: o dique. Este situava-se a montante e, a sua estrutura encontrava-se instável. O presidente da cidade dirigiu-se à população para que todos tivessem tempo de acautelar as suas propriedades e os seus bens. As duas personagens desta história tinham opiniões diferentes. O Eu-é-que-Sei dizia que o presidente estava a fazer campanha eleitoral e que o dique era uma estrutura forte que iria durar vários anos. Por seu lado, o Só-Acontece-aos-Outros, achava que iria rebentar para o lado sul da cidade, não havendo possibilidade de catástrofe para aquelas bandas. A maioria da população, habituada a ouvir os disparates destes dois, ia tomando precauções e respeitando as indicações dadas.
Um dia, o inevitável aconteceu e o dique rebentou. As águas chegaram rapidamente à cidade, alagando tudo à sua volta. Nunca se tinha visto nada assim. O Só-Acontece-aos-Outros acordou sobressaltado com a água a chegar-lhe aos pés da cama. O Eu-é-que-Sei continuava na sua janela, olhando sem poder fazer nada.
Os estragos foram bastantes mas, quem cumpriu as recomendações, depressa conseguiu voltar à sua vida normal. Os outros dois, e muitos como eles, tiveram de reconstruir tudo do zero.
O tempo do Homo Erectus ficou lá bem atrás e, mesmo ele, pensava no bem comum…
Será que vale a pena continuarmos a ser o Eu-é-que-Sei ou o Só-Acontece-aos-Outros?