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Na Idade Média a calcar cocó no palácio de Versalhes

“Em mil anos seremos esquecidos. A Idade Média perderá seu título de era das trevas, e nós receberemos essa maldição. Lembrarão de nós como mimados, ressentidos e covardes.”

Luís Filipe Pondé 

Engraçado é como o ser humano tem a capacidade de embelezar coisas para enganar outros. Por exemplo, a Idade Média, retratada como um tempo de aventura, romance, mistério e descobrimento pelos filmes de Hollywood, foi romantizada ao ponto de as pessoas se esquecerem de um pormenor importante: a falta de higiene que havia na altura. 

Para começar, não havia escova de dentes nem as pessoas tinham o hábito de ter uma higiene bucal como nos dias de hoje. Quem vence nesta questão são os ingleses que ainda hoje têm os dentes mais tortos e amarelos da Europa, graças a esse descuido na Idade Média; o descuido foi tanto que lhes ficou registado no ADN. Aliás, reza a lenda que a única pessoa que possui uma dentição exemplar no Reino Unido é a Rainha, mas só porque usa placa. 

Em segundo lugar, as pessoas não tomavam banho e os chuveiros não existiam, e isto é tão grave que ainda hoje os franceses não sabem o que é um chuveiro (brincadeira). Mas, a verdade é que em alguns países europeus – a maioria – as pessoas não têm o hábito de tomar banho todos os dias. E tudo isto vem dos nossos antepassados. Na Idade Média os banhos eram um acontecimento anual das famílias. Ou seja, a partir do mês de maio, as famílias mais abastadas tomavam o seu banho. Enchia-se uma grande banheira de água e a família começava a banhar-se na mesma água, hierarquicamente. O primeiro a ter o privilégio de se banhar em água limpa era o chefe de família, seguia-se o resto dos familiares e, por último, dava-se banho na mesma água aos bebés. Chocados? Eu também fiquei quando li sobre isto, mas o pior ainda está para vir. 

As mulheres ficam encantadas com os vestidos e a classe com que as senhoras da época se vestiam. Pois é, mas os vestidos eram longos e tinham aquele formato de balão para “tapar” o mau cheiro que vinha das partes íntimas das mulheres. Os vestidos tinham a função de arejar as senhoras. Elas usavam também os famosos leques, que não eram, como hoje, utilizados para afastar o calor, mas sim o mau cheiro que pairava no ar, além de para afugentar as moscas. Algumas usavam flores na sua indumentária para atenuar os maus cheiros. 

Vamos falar de caca agora, Já se perguntaram porque é que a maior parte dos palácios não tem casas de banho? Porque na altura não era preciso! Para quê ter uma casa de banho quando se têm janelas viradas para um jardim? Pois é, as pessoas faziam as suas necessidades num penico e depois essas necessidades eram atiradas pelas janelas das casas diretamente para as ruas ou para os jardins. “Ai aqueles jardins de Versalhes são tão lindos!”. São lindos porque durante séculos foram bem adubados. O Palácio de Versalhes tinha a fama de ser sujo, habitado por residentes que não tinham higiene, os corredores e os jardins eram verdadeiros depósitos de cocó. Um promulgo de 1715 dizia que as fezes deveriam ser retiradas dos corredores uma vez por semana.   

Vamos mudar de tema, que este cheira mal… O que é que eu achei mais curioso sobre a Idade Média? Naquele tempo era muito raro as pessoas comuns terem acesso a vidro, porcelana ou a cerâmica como nós temos hoje. Na época eram usadas louças de estanho. As pessoas bebiam cerveja ou outras bebidas em copos de estanho, e a corrosão da combinação de certas bebidas com o estanho muitas vezes deixava as pessoas inconscientes. Era habitual ver-se, nas quelhas e ruas perto das tabernas, pessoas no chão, inanimadas. Então era comum essas pessoas passarem por mortos, os corpos eram assim recolhidos e levados às respetivas famílias, que punham o corpo deitado na mesa da cozinha da casa e a família podia vigiar o corpo por alguns dias para ver se a pessoa acordava. Se isto não acontecesse, era preparado o enterro.

Como morria muita gente, o espaço para os mortos começava a ser escasso; então começou-se a reutilizar caixões. Os caixões eram abertos, os ossos depositados num ossário e o novo corpo era enterrado. Muitas vezes, os coveiros e respetivas famílias notavam que ao abrir os caixões estes estavam arranhados no interior, ou então que os corpos estavam numa posição diferente, chegando à triste conclusão que as pessoas teriam acordado já enterradas. Assim surgiu a ideia de, ao fechar os caixões, amarrar uma corda ao pulso do defunto, corda que depois passaria por um orifício até à superfície onde era amarrada a um sino. Após o enterro alguém ficava sentado ao lado da campa por alguns dias: se o falecido acordasse, ao mover-se este tocaria o sino. 

Eram estas algumas observações que queria fazer sobre a Idade Média. Por vezes fico revoltada quando ouço pessoas a dizerem, “ai os tempos estão tão maus”, ou então, “antigamente era que se estava bem!”. É verdade que, moralmente, em certos aspetos, a sociedade piorou, mas hoje temos um conforto incomparável, hoje temos apoios, saúde, acesso à educação, trabalho, direitos e usufruímos da vida. Acham que antigamente as pessoas se davam ao luxo de ir de férias, de comer num restaurante, ir para uma universidade, ir a um médico ou simplesmente comprar medicamentos? Só os ricos se davam a esses luxos. 

Receitas como o bacalhau à Brás não surgiram porque “ai, é gourmet!”. Surgiram pelo facto que com uma posta de bacalhau, uma batata e um ovo podia-se alimentar uma família inteira. E este tipo de receitas tem esta qualidade inerente às mães portuguesas, que com pouco fazem muito e, com amor e vontade tudo tornam especial.   

Por isso, dêm valor a tudo o que alcançamos hoje como sociedade, dêm amor à vossa família e amigos. 

E não se esqueçam: tomem banho!

Bacalhau à Brás: 

Ingredientes:

Para 4 pessoas

400 g de bacalhau;

3 colheres de sopa de azeite;

500 g de batatas;

6 ovos;

3 cebolas;

1 dente de alho;

salsa;

sal;

pimenta;

óleo;

azeitonas pretas

Confeção:

Demolha-se o bacalhau como habitualmente, retira-se-lhe a pele e as espinhas e desfia-se com as mãos.

Cortam-se as batatas em palha e as cebolas em rodelas finíssimas. Pica-se o alho.

Fritam-se as batatas em óleo bem quente só até alourarem ligeiramente. Escorrem-se sobre papel absorvente.

Entretanto, leva-se ao lume um tacho, de fundo espesso, com o azeite, a cebola e o alho e deixa-se refogar lentamente até cozer a cebola. Junta-se, nesta altura, o bacalhau desfiado e mexe-se com uma colher de madeira para que o bacalhau fique bem impregnado de gordura.

Juntam-se as batatas ao bacalhau e com o tacho sobre o lume deitam-se os ovos ligeiramente batidos e temperados com sal e pimenta.

Mexe-se com um garfo, e logo que os ovos estejam em creme, mas cozidos, retira-se imediatamente o tacho do lume e deita-se o bacalhau num prato ou travessa.

Polvilha-se com salsa picada e serve-se bem quente, acompanhado com azeitonas pretas.

Dévora Cortinhal

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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