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Museu Municipal de Espinho: uma tristeza

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Visitar instalações museológicas em Portugal, nos dias que correm, rebenta de indignação as almas mais sensíveis. A desídia, a negligência, a incúria, a indiferença grassam nas fileiras daqueles que são responsáveis por cuidar do património público financiado com os nossos impostos. Já nem vou tão longe (e devia) ao ponto de questionar se uma freguesia, em que 90 porcento dos habitantes esparsos são idosos e não sabem nadar, precisa de ter um poli-desportivo com piscinas, quando a poucos quilómetros, a freguesia vizinha, idêntica em tudo, também o tem. Não vou especificar onde, mas este caso existe, e o mais provável é haver muitos mais espalhados pelo país. Quem fala de poli-desportivos fala de muitos outros equipamentos públicos que, dada a dimensão o país e das suas divisões administrativas, teríamos vantagem em concentrar para poder ter recursos para fazer melhor, de maior qualidade, e de mais fácil e barata manutenção.

Estou com curiosidade para assistir ao debate que iremos ter em breve sobre a regionalização, porque se o conceito de regionalização não for bem definido, o Portugal dos quintais será exacerbado à quinta potência, e veremos exemplos absurdos de esbanjamento bacoco, bairrista e provinciano de dinheiros públicos multiplicarem-se desabridamente. Mas isto ficará para outro dia…

Para escrever sobre algum tema, por via de regra preciso de um “gatilho” (trigger) positivo ou negativo que mexa com as minhas entranhas de cidadão, um que aprendeu desde muito cedo as virtudes do civismo, a começar nos pequenos gestos quotidianos. O meu pai, QEPD, o grande farol norteador da minha vida, era conhecido no modesto bairro em que vivíamos por apanhar os papéis e o lixo que encontrava na nossa rua, mesmo o que estava frente à casa dos vizinhos, ao chegar a casa no final de mais um dos longos dias de trabalho. De notar que este meu herói tinha 3 empregos (!), e fazia ainda mais uns biscates intelectuais adicionais, para poder dar aos 3 filhos, em tempos de Salazar, a oportunidade de tirar um curso superior que lhes permitisse galgar a escada social, inatingível para milhões de portugueses naquela altura. Ainda hoje, quando vejo lixo na rua, mesmo que seja a mil quilómetros de minha casa, e se há um caixote do lixo ao lado, a minha tendência natural é curvar-me, apanhar e colocar dentro do balde. Obrigado pai !

Desta vez o tal “gatilho” foi uma visita ao Museu Municipal de Espinho. Construído no local onde nasceu, nos finais do século XIX (1894), uma então notável fábrica conserveira, a Brandão, Gomes e Companhia. Como (quase) tudo em Portugal, começou bem, tecnologia de ponta na época, alvará real a apoiar os produtos que de lá saíam, boa gestão. Não encontrei no Dr. Google material que permita estudar as razões do declínio que levou à falência em 1939, curiosamente o início da II Grande Guerra, quando mais era necessário produzir alimentação de qualidade facilmente transportável para alimentar milhões de soldados em movimento. Mas arrisco uma explicação, porque conheço bem a filosofia de vida que norteia a esmagadora maioria dos industriais portugueses. Amassam fortunas, não investem em gestão profissional bem paga, e acabam por entregar as empresas a filhinhos que não estudaram, não se prepararam, não conheceram nunca as vicissitudes e dificuldades da vida, e não se formaram civicamente a não ser em gastar dinheiro que lhes caiu no bolso sem terem de suar para o ganhar. Portanto as empresas herdadas do paizinho acabam à segunda, máximo terceira gerações. Exceções, que as há (e conheço), confirmam a regra. Podia dar aqui um rol infindável de nomes de empresas que marcaram a história industrial em Portugal, e das quais já não há nenhuma. Os esqueletos das fábricas, como esta, ainda estão aí em muitos casos para contar a história. Já a Brandão, Gomes e Cia. foi a leilão judicial em 1939. Foi arrematada por outro grupo conserveiro, que a explorou quase 30 anos mais, e que a revendeu a outro grupo conserveiro em 1965. E finalmente em 1985 (quase um século depois de ter nascido naquele local), fecha portas e fica a degradar-se e apodrecer até 2001, data em que a Câmara Municipal de Espinho a compra, demolindo as ruínas para criar o Museu Municipal.

O local onde estava a fábrica, e hoje está o museu, é a escassos metros do mar. Clima inclemente, muito vento que traz o salitre da maresia para terra. Um bom arquiteto pensaria nos desafios em termos de durabilidade criados pelo entorno, antes de decidir a escolha dos materiais. E depois, tratando-se de dinheiro dos contribuintes, trataria de os escolher de maneira a que, dentro dos condicionalismos e agressividade do entorno, fosse possível minimizar a necessidade de intervenções futuras de manutenção. Pois bem, não foi o caso. O grosso dos materiais escolhidos para o exterior são susceptíveis de enferrujamento rápido naquelas condições de densidade de salitre no ar, e um museu que não tem nem 20 anos está já num estado deplorável, essencialmente por falta de manutenção. Vá-se a qualquer país nórdico ou báltico, onde as condições de entorno são ainda piores, e não há um único edifício público, menos ainda um polo cultural e museológico, nestas condições deploráveis. Nem na Russia… Por dentro o abandono também é evidente, com infiltrações a fazer apodrecer os tetos, tacos de madeira do chão levantados, etc.

Espinho é na minha ótica um dos casos mais paradigmáticos a nível nacional de má gestão camarária, quer quando o PS lá esteve, quer quando o PSD governou. O PSD administrou a Camara Municipal durante os últimos 12 anos, e um dos seus líderes nacionais, Luís Montenegro, é de lá, e tem lá residência. Espero que não seja indiciador do que podemos esperar para o país, se um dia cortar a meta em primeiro lugar para o cargo de Primeiro-Ministro ! Ambos os partidos nunca souberam aproveitar as condições únicas que Espinho tem como destino balnear de eleição para gerações de habitantes do interior. Vejam-se as fotos daquilo que Espinho foi (grande exposição nas paredes da piscina municipal) e na exposição “Vilegiatura e jogo em Espinho” nas Galerias Amadeu de Souza-Cardoso do Museu Municipal, e aquilo que hoje é, em termos urbanísticos, sobretudo na orla marítima, e rogue-se pragas bíblicas a quem autorizou aquela miséria de mau gosto que descaraterizou totalmente uma linda terra, com imensa tradição !

O PSD perdeu uma oportunidade histórica de corrigir várias situações, porque, como ficou demonstrado em Gaia, 3 mandatos dão para fazer muita coisa. Eu acho que os habitantes finalmente se deram conta de quem eram os principais responsáveis por sucessivas administrações camarárias desastrosas e ineptas, porque nas últimas autárquicas deram uma maioria absoluta ao PS na Câmara Municipal. Que agora tem novamente uma oportunidade histórica única, ao não ter oposição na toma de decisões, de demonstrar aos espinhenses que é possível fazer uma gestão camarária de qualidade, inteligente, urbanisticamente decorosa, a pensar no legado que vai deixar para as futuras gerações. Vamos ver !

José António de Sousa

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