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“Mosquito”, um filme português

A ação decorre no Norte de Moçambique, durante a 1.ª Guerra Mundial. Zacarias, um português de 17 anos, idealista, alista-se, pensando que vai para a frente da Flandres, mas acaba embarcado para a fronteira do território alemão do Tanganhica.

Pede licença à companhia para ir a pé de Mocímboa da Praia, no litoral, até ao lago Niassa (600 km, senão mais). Leva dois pretos (um macua, o outro maconde), que trata como escravos. O macua, o mais maltratado dos dois, carregado com mantimentos e apetrechos, tenta fugir. Zacarias dispara e deixa-o mais morto que vivo. É o maconde que lhe acaba com o sofrimento, disparando uma seta. Depois, o próprio maconde deserta.

Zacarias passa por uma série de peripécias (ataques de malária, fome, sede, frio). Há cenas em que situações reais se confundem com alucinações.

A dada altura, chega a uma aldeia, onde só há mulheres e miúdos. Vem mais morto que vivo, desmaia, e as mulheres acabam por escravizá-lo, obrigando-o a cavar nos campos de milho. E aqui há incongruência: o que essa aldeia fala é changane, a língua do extremo sul (entre os rios Save e Maputo). Ora, em princípio, estar-se-ia no extremo norte, junto ao rio Rovuma, que marca a fronteira com o Tanganhica de outrora (Tanzânia atual).

Para quem não percebe aquelas línguas, tanto faz. Mas eu reconheci muito bem o changane, idioma meridional do Moçambique dos meus primeiros vinte e cinco anos. Na ausência de legendas, entendi, palavra aqui, palavra ali, que a chefe das aldeãs, bastante agressiva e ameaçando-o com a própria espingarda dele, dizia que os brancos lhes tinham levado os homens. Quando ele se revolta e tenta fugir, atira-lhe: Mulungo, wa matximba, que significa «Branco, és merda».

Noutra passagem, Zacarias engraça com uma adolescente da aldeia e, à beira do rio, ela ensina-lhe palavras: máti (água), wanun (homem), wassáti (mulher), vocábulos do changane de que me lembro.

Retomando a sua caminhada, surpreende um alemão a lavar-se num regato, rouba-lhe a arma e fá-lo prisioneiro, apesar de o alemão protestar que é desertor. Chegam assim os dois ao lago Niassa. A odisseia aproxima-os e ficam amigos. O problema é que são descobertos pela companhia de Zacarias, que já lá estava. Depois de o identificarem e reconhecerem, fazem-lhe uma receção efusiva, mas ao alemão torturam-no, com pontapés em coletivo. Malferido, o preso tenta fugir, mas dão-lhe um tiro nas costas e depois caem-lhe em cima às punhaladas e navalhadas, deixando-o esvair-se em sangue.

O curioso é que o sargento desta companhia (interpretado pelo veterano João Lagarto) dizia que os alemães eram uns bárbaros, pois obrigavam os pretos a jogar futebol com as cabeças decepadas dos prisioneiros portugueses.

Algumas cenas foram claramente filmadas em Moçambique. Veem-se, por exemplo, inselbergues (palavra derivada do alemão Inselberg, ou seja, «monte-ilha», uns enormes monólitos de rocha granítica nua que se erguem das terras circundantes, em Nampula, Cabo Delgado, Niassa). Mas também há cenas que parecem filmadas em charnecas do Alentejo. Quando Zacarias e o seu prisioneiro alemão chegam ao lago Niassa, é quase certo que aquilo é uma praia portuguesa. Atiram-se ambos à água, gritando «Niassa!» e «doce, doce», mas não se vê nenhum deles bebê-la.

João Nunes Monteiro está muito bem, no papel de Zacarias. Ganhando maturidade, promete como ator.

Não sei de onde veio o título Mosquito. Representará o nada que o homem vale no meio daquilo? Representará os bichos que lhe picam e o deixam doente?

Jorge Madeira Mendes

 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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