Começo este texto por expressar o mais profundo pesar aos familiares e próximos daqueles sobre quem falo. Não posso no entanto deixar de fazer certos reparos.
Tarefa sugerida:
Ir ao Google e procurar por “emigrante português morre”, depois fazer aparecer só os resultados referentes ao último mês. O resultado é perturbante.
O que recentemente me tornou a chamar a atenção para este tópico foi a morte de 12 emigrantes portugueses num acidente rodoviário em França. A forma como aquela dúzia de concidadãos nossos era transportada, permitam-me a dureza das palavras, não é digna do transporte de animais. Para o transporte de animais é exigido que estes estejam em células separadas e que estas estejam firmemente fixadas ao veículo que os transporte.
Sem saber mais detalhes que aqueles que foram dados pela imprensa credível arrisco-me a dizer que as células (neste caso os assentos) em que viajavam os malogrados emigrantes não estariam fixados convenientemente ao veículo e quem nem os viajantes estariam, seguramente, fixados a estes.
A acusação que pende sobre o condutor e sobre o proprietário da carrinha é a de homicídio involuntário – para além da violação de outras normas relacionados com o Código da Estrada e do Transporte de Passageiros. Mas a Espada de Démocles destas duas pessoas não deveria ser tão ligeira. Prestar-se a transportar pessoas em condições piores que aquelas exigidas para os animais e para as próprias mercadorias (que até sobre estas pesa a obrigação de conveniente amarração) deveria ser considerado tentativa de homicídio premeditado com especial dolo.
Mas a história não acaba aqui… desde esse acidente mais uma dezena de emigrantes portugueses já morreu nas estradas de regresso a casa.
Porque morrem tanto os emigrantes na estrada?
Vamos ver a realidade como ela é. Aqui onde moro, no Luxemburgo, quando chegam as férias colectivas é o frenesim do regresso a casa. Acumulando horas aqui e ali a maior parte dos que trabalham no sector da construção conseguem ter livre a última sexta-feira de trabalho.
Preparados que estão os carros na quarta-feira à noite, levantam-se, muitos de madrugada, para ir trabalhar na última quinta-feira do ano de trabalho, trabalham o dia todo, chegam a casa, e tal qual lebres perseguidas por um galgo, lançam-se à estrada com uma sofreguidão sem par. Pela frente têm 2.000Km a fazer. Muitas vezes “de empreitada”. Entram pela noite dentro em França e, com sorte, vão almoçar a casa. Ou não… sem sorte acabam os seus dias numa qualquer estrada de França ou de Espanha num emaranhado de ferros, vidros partidos, sangue e lágrimas dos que ficam.
No Luxemburgo, a maior distância possível de viajar ronda os 100Km, entre Rumelange e Schmiede. A distância que os nossos emigrantes se aprestam a fazer é 20 vezes superior a esta. No seu dia-a-dia no Luxemburgo poucos são aqueles que conduzem sequer: a carrinha do trabalho apanha-os à porta de casa e aí os larga ao fim da jornada de trabalho. Sem dormir, depois de trabalharem um dia inteiro, esta atitude tem um nome, semelhante ao caso anterior: tentativa de suicídio.
Não há nada que possa justificar estas duas situações. Absolutamente nada. Não existe outro adjectivo para caracterizar estas atitudes que não “irresponsável”.
Estamos em meados de Abril e muitos começam já a pensar nas 3 semanas de férias em Portugal. Já se fazem contas a quilómetros, a portagens, à merenda… Já se faz conta ao tempo que se demora e ao sítio onde vamos almoçar naquela sexta-feira ganhada com suor.
Façam contas ao esquife em que se vão lançar. Façam contas aos que ficam. Façam contas à vida.
Retomando o início, de todos os comentários que fui vendo acerca do acidente ocorrido em França os mais repugnantes, sim repugnantes, que vi foram os que apelavam ao sofrimento e ao sacrifício que é a vida de emigrante. Que “todos temos a nossa cruz” e temos que a carregar até ao Golgóta.
De tudo o que podemos escolher na vida o local onde nascemos e o local onde morremos são os mais aleatórios. Poderei, eu também, morrer numa estrada de França ou de Espanha. Nunca será por me lançar à estrada no fim de um dia de trabalho e muito menos será sentado num sofá ou numa cadeira de praia.
Aos que defendem o, cristão, sacrifício tenho tão só a dizer-vos: nunca serei o vosso Simão.