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Mena Mangal, a morte de mais uma activista

A morte de mais uma mulher ativista no Afeganistão fez-me escrever este texto.

Infelizmente, sim, elas morrem todos os dias, ativistas ou não, naquele país, no nosso, por todo o mundo, vitimas do pior, e mais enraizado, dos egoísmos que a humanidade tem vindo a alimentar: o machismo.
No princípio do séc. XX, os governantes daquele país tentaram promover uma maior liberdade para as mulheres, procurando que o controle patriarcal diminuísse e a educação crescesse.

Incentivaram a sua emancipação e até o uso de vestimentas ocidentais.

Em 1921, o rei Amanullah criou restrições sobre a poligamia, aboliu o casamento infantil e o casamento forçado.

A rainha Soraya, a única mulher a aparecer naquela lista de governantes, liderava o seu marido nessa luta, e foi mesmo considerada a primeira e mais poderosa ativista do mundo Muçulmano.

O protesto que levantou foi tão grande, que levou à queda do seu monarca.

No entanto, com o passar do tempo, as restrições voltavam…

O século XX avançava, e com ele também o controle dos homens sobre as mulheres.

Nos anos 70 surge um novo Partido Democrático que volta a tentar reformar as leis da saúde, da educação e do casamento das mulheres.

Embora as mais pobres continuassem à parte desses sonhos, alguns avanços foram conseguidos, e as mulheres conseguiram alcançar cargos médicos, de cientistas e de professoras.

Com a entrada de Hekmatyar para primeiro-ministro, em 1996, dá-se um grande passo para trás no Afeganistão.

Este homem já tinha lançado ácido à cara das mulheres, quando frequentava a Universidade de Cabul, pelo que era fácil adivinhar o que se seguiria com a sua entrada no governo do país.

Voltou o uso do ‘véu’, as mulheres que apareciam na televisão eram demitidas, e até a guerra civil serviu como desculpa para serem sequestradas e violentadas.

Esta nova força, que saiu vitoriosa de uma violenta guerra de quatro anos, ficou conhecida como Taliban.
De onde vinham? Eram aldeões pobres, que tinham crescido no Paquistão, e sem qualquer ideia de dividir a sociedade com os seus pares.

Logo que subiram ao poder foi decretado que as mulheres não podiam sair de casa sem alguém da sua família e do sexo masculino a acompanhá-las, e quando o faziam tinha de vestir a burca. Também não podiam trabalhar.

Foi a queda total da pouca conquista que se conseguira naquele país.

As mulheres que outrora tinham um posto de trabalho, foram despedidas, perderam todos os seus bens, e mendigavam pelas ruas. Vestiam a burca como se esse traje fosse a sua pena.

Quem, porém, não a podia comprar, ou não tinha família masculina, vivia enclausurada em casa, obrigada até a pintar as janelas para que ninguém as pudesse ‘espreitar’.

A ONU recusou-se a reconhecer o governo Taliban, e as sanções que lhes colocaram agravaram ainda mais a situação deste povo.

Como eram as mulheres a maioria dos professores, também o ensino das crianças ficou ameaçado e, com ele, a evolução de toda uma cultura e sociedade.

Talvez fosse essa a ideia…

Na área da saúde, as mulheres eram autorizadas a exercer, mas apenas porque os Talibans só deixavam que elas fossem tratadas por médicos do mesmo sexo. Mesmo assim, a maior parte das vezes, eram ignoradas quando chegavam feridas a um hospital.

Alguns comandantes dos Taliban e da Al-Qaeda criaram uma rede de tráfico, que vendia mulheres raptadas, para a escravidão e prostituição forçada, tanto no Afeganistão como no Paquistão.

Com a queda do regime Taliban, no princípio do séc. XXI, foram adoptadas políticas mais suaves sobre os direitos das mulheres, e a situação geral melhorou, particularmente nas grandes áreas urbanas, mas nas zonas rurais continuaram ainda muito primitivas.

E o mal não parece decrescer. Em 2012 a ONU mostrou um aumento na violência doméstica, naquele país, originada ainda pela cultura conservadora.

Os assassinatos das ativistas sucedem-se:
Sushmita Banerjee, uma escritora indiana que inspirou um filme em Hollywood, pelo seu livro onde conta a fuga ao regime Taliban, foi assassinada por esse desafio.
Em 2012, Malala Yousafzai, na altura com 15 anos, foi baleada na cabeça por talibãs no Paquistão, devido ao facto de falar sobre o direito das raparigas em receberem educação.
Farkhunda, de 27 anos, foi brutalmente assassinada por uma multididão, com paus e pedras, acusada falsamente de ter queimado uma cópia do Al Corão. Depois de espancada, foi ainda atropelada por um carro e o seu corpo incendiado.
E há poucos dias foi Mena Mangal, uma das jornalistas mais conhecidas do Afeganistão.

Ela defendia o direito ao trabalho e à educação e denunciava os casamentos forçados.

Viveu também essa situação e tornou-se conhecida por escrever sobre o seu casamento e a luta pelo divórcio.

Mangal tinha apenas 14 anos quando foi prometida em casamento. O noivado foi muito atribulado e os pais da jornalista chegaram a receber ameaças que ele a mataria se não cumprissem a promessa. Poucos dia antes do casamento, parentes do noivo levaram Mangal à força, espancaram-na e torturaram-na.
A jornalista, que conseguira o divórcio no início deste mês, tinha recebido ameaças de morte e ninguém a protegeu…

Caiu assassinada, ali numa praça, em pleno dia.

Uma das suas colegas no Parlamento afirmou que a morte é mais um entre os muitos ataques às mulheres nas ruas de Cabul. Muitas foram raptadas, violentadas e queimadas nos últimos meses.

Estas são algumas das vítimas que conhecemos, mas muitas, muitas mais, são aquelas que vivem esse drama, anónimas, em Cabul, ou noutra capital qualquer.

Infelizmente, são já vistas quase como uma normalidade do dia-a-dia de países de terceiro mundo.
E, se o permitimos, somos todos de um terceiro mundo, ou de um mundo ainda muito mais baixo que isso…

 

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