De que está à procura ?

Colunistas

Me engana que eu gosto

Fátima Leão, formando trio com Zezé Di Camargo & Luciano, lançou nos anos 90 uma canção a escorrer melaço de lânguido amor, cujo mote, “me engana que eu gosto”, passou à posteridade para ironizar o estado de catarse catatónica que invade os eleitores, alienados pelos Brunos de Carvalho e os “Big Brother famosos” desta vida, quando ouvem o melaço mentiroso e peçonhento que invariavelmente escorre da boca de muitos políticos em campanha eleitoral.

Neste mundo de gratificação imediata em real time, em que tudo aquilo que leve mais de 3 minutos a fazer, a ler, a investigar, a estudar, a comparar, é logo posto de lado pela esmagadora maioria dos surfistas internautas, ninguém se preocupa em ver se o (ou a)“artista” dos “amanhãs que cantam” tem um bom historial de cumprimento de promessas, quando nos diz que “o sol brilhará para todos nós”,  e é uma pessoa em quem se pode confiar. Portanto, de campanha em campanha, de eleição em eleição, vamos votando acriticamente em quem mente, com todos os dentes, de forma mais “credível”.

Um par de exemplos. Na faixa ascendente da Avenida da Liberdade (oh suprema ironia), há um cartaz da CDU que nos promete (país miserável de pensões de fome para a esmagadora maioria dos pensionistas) “melhores pensões”, clamando que a CDU, como o PC se intitula para acalmar os que teimam em não esquecer Holodomor e Stalin, é a “força decisiva” para lá chegar. Como é óbvio, 47 anos de democracia demonstram à saciedade e factualmente que não é mesmo nada assim. 

Quanto mais anos passarem sobre a revolução de Abril de 1974 que instaurou uma democracia imperfeita, mas funcional, e o PC ficar cada vez mais em evidência por ter escolhido as lutas erradas, que contribuíram decisivamente para deixar este nosso Portugal empobrecido e endividado, e com um exército gigantesco de lumpenproletários à perna (mais de 2.000.000 de pobres!), mais o PC se esvairá na sua irrelevância social, acabando por desaparecer, como em França, Espanha e Itália. Sobreviverá talvez como gestor de património imobiliário (a sede é na Avenida da Liberdade em Lisboa, onde o metro quadrado é o mais caro do país, e os cleptómanos das ex-colónias vêm comprar artigos nas lojas de marcas de luxo), ou como organizador de eventos na Quinta da Atalaia, complementando o rendimento assim obtido com os fartos subsídios do OE.

A não ser que se modernize (ponham lá de uma vez por todas o João Ferreira à frente do partido), mude a cassete, e adote uma mensagem desempoeirada de esquerda democrática, inteligente e progressista, que nos leve a uma sociedade mais rica e mais justa num patamar de exigência (sublinhado) e riqueza superior ao que temos, e não tratando de empobrecer os ditos “ricos”, para que todos fiquemos iguais pelo menor denominador comum, o da miséria e pobreza. Esqueçam lá a demagogia primária dos cartazes, que hoje em dia, com o historial de décadas  a viver mentiras que, temo, apenas servem para nos irritar.

Sempre que vejo um cartaz da esquerda (os da esquerda caviar ainda são piores) vem-me sempre ao pensamento o famoso encontro de Olof Palme, primeiro-ministro sueco, com essa figura hiper-controversa chamada Otelo Saraiva de Carvalho, em 1974. Quando questionado sobre o propósito da Revolução de Abril, Otelo responde: “acabar com os ricos”, para ouvir Olof Palme responder estupefacto : “olha que estranho, nós na Suécia andamos há mais de 20 anos a tratar de acabar com os pobres, e o caminho ainda é longo…”. 

A esquerda não aprendeu nada. Enquanto não começar a lutar pela mudança estrutural na sociedade que realmente precisamos, o seu futuro é finito. Porque com o grau de endividamento coletivo que atingimos, a capacidade de o país se endividar ainda mais, para pagar as promessas eleitorais mentirosas, como esta de melhores pensões sem ter a economia a crescer, a gerar riqueza, e a diminuir endividamento, acabou. Só se pode distribuir a riqueza que geramos.

A famosa bazuca dar-nos-á  um respiro, mas também ela acabará. E se o dinheiro continuar a ser investido em despesa corrente e recorrente, para satisfazer as clientelas dos partidos campeões das negociatas, que beneficiam uns poucos em detrimento do coletivo, e não em investimento reprodutivo gerador de crescimento e riqueza, voltamos a ter o país adiado, e as gerações futuras ainda mais comprometidas. 

O outro exemplo é mais complexo, porque demonstra à saciedade também que as formas de enganar o Zé Povo se vão refinando, de maneira a que até gente dita letrada e instruída se deixa embaucar. 

No dia 22 de Dezembro saí de Miraflores para Gaia, onde fui passar o Natal. Na rotunda ao cimo da Avenida dos Bombeiros Voluntários, o PS tinha acabado de instalar um berrante cartaz. Fundo vermelho, seta amarela a apontar para o céu, e uma mensagem a indicar que o crescimento de 13 0/0  durante um período que não consegui ver, porque havia trânsito e não pude parar na rotunda, era o maior desde sempre em democracia. 

Fiquei intrigado e, mal regressei a Miraflores, logo a seguir ao Natal, tratei de ir fotografar o cartaz. Queria contrastar os números do cartaz com os sucessivos alertas de empobrecimento da nossa economia, e de afastamento do nosso país em relação às outras economias europeias das quais nos deveríamos ter aproximado com os fundos europeus de milhares de milhões de euros que entraram em 47 anos de democracia. 

O dito cartaz tinha desaparecido… O PS deve ter pensado que no concelho de Oeiras, o mais rico de Portugal, aquele que supostamente tem a população mais “letrada” do país, se um Isaltino ganha, a mensagem provavelmente também passaria… Alguém com uma réstia de bom-senso no entanto deve ter pensado melhor, e rectificou o erro retirando o cartaz alienante e insidioso. 

Há umas décadas atrás cheguei a ter um chefe, numa época conturbada da companhia para a qual eu trabalhava nessa altura, que dizia que só acreditava nas estatísticas que ele próprio “fabricava” e “manipulava”, porque era fácil fazer um Powerpoint para dar sempre o resultado que se quisesse. 

Diz-se que os números não mentem, mas o ser humano sim, e os políticos mais ainda. O facto é que, enquanto for vivo, nunca mais esquecerei uma notícia de 2008 no Jornal de Negócios. O Boston Consulting Group também não! A notícia relatava que o BCG tinha conseguido a proeza de apresentar conclusões diametralmente opostas à ANA e à SONAE na questão do Aeroporto de Sá Carneiro no Porto, para satisfazer os pontos de vista destas partes, que estavam em lados opostos do tema em apreço ! 

Nunca tal se viu, o conflito de interesses foi monumental (but money talks), e revela a essência daquilo que em consultoria é possível fazer de forma credível : produzir relatórios com conclusões divergentes sobre o mesmo tema para satisfazer os clientes, em apoio da posição em que estão na negociação ! Admirável. Alguém ainda se admira por estarmos há mais de 50 anos a estudar a localização do novo aeroporto de Lisboa ?

O grosso dos nossos políticos são dignos do título de MVA. Não, não troquei o B pelo V. MVA equivale a Master of Voter Alienation. 

Como é possível, a menos de um mês de umas eleições cruciais para o futuro do país, que se ande a produzir relatórios, estudos e conclusões que apontam para dois países diametralmente opostos ? 

O PS por um lado a desenhar um Shangri-La paradisíaco, alcançado com as conquistas da sua gestão do país (com Sócrates e a geringonça incluídos), e o economista Ricardo Cabral, professor de Economia no ISEG, por outro, num artigo que saiu publicado no Público de 3 de Janeiro, a afirmar o óbvio, que “o rendimento disponível das famílias nos últimos 20 anos (período maioritariamente governado pelo PS), medido pelo rendimento disponível das famílias, será o pior desde o final do século XIX”, ou seja dos últimos 120 anos ! Ricardo Cabral chega também à conclusão que “este tema suscita as paixões de posições antagónicas, e parece quase impossível um debate aprofundado”. 

Também António Costa, o Publisher do Eco Login, e não o “outro”, escreveu no início de Dezembro um belíssimo teaser para fomentar a discussão dos temas importantes durante a campanha eleitoral. Com o título “Como é que podemos crescer como na Irlanda ?” e o subtítulo  “A economia da Irlanda já recuperou para os níveis de 2019, pré-pandemia, e Portugal está em penúltimo lugar, só ultrapassado pela Espanha”, António Costa enumera alguns dos problemas que nos levam ano após ano para a cauda da Europa, de onde teimosamente não saímos há décadas. 

A carga impositiva, incomparavelmente superior em Portugal, a liberdade económica, incomparavelmente superior na Irlanda, e a existência de um crescente número de cidadãos com retribuição mínima e dependentes do Estado, incomparavelmente maior em Portugal porque é inexistente na Irlanda. Ou seja, temos uma economia que desincentiva o risco, a inovação e o mérito.

Este António Costa conclui, que o dever do outro António Costa, e dos seus oponentes políticos, é o de dizerem aos Portugueses, sem mentir, sem aplicar os conhecimentos adquiridos no doutoramento em alienação de votantes, exatamente aquilo que pretendem fazer para pôr a nossa economia a crescer. 

O que está claro é que, ou crescemos como a Irlanda ou, estando a um pequeno passo do precipício, daremos mais um grande e decisivo passo em frente. Eu não sei se o meu paciente leitor partilha do meu sentimento, mas eu estou farto de ser enganado. E não gosto de o ser, contrariamente à canção. Nunca gostei, e agora muito menos.

José António de Sousa

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

TÓPICOS

Siga-nos e receba as notícias do BOM DIA