De que está à procura ?

Colunistas

Marcelo Frazão: os muitos caminhos do artista

Mestre em Ciência da Arte pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e bacharel em Gravura pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde foi professor, Marcelo Frazão tem sua obra apresentada em mostras individuais no Brasil e no exterior, há mais de três décadas. Nos anos 1990, foi curador da Galeria do Sesc Copacabana, no Rio de Janeiro, ali realizando mais de 50 exposições. Fundador da Villa Olivia Livros, é autor de dois livros de poesia: Haikai e Homo Sapiens Sexualis. É ainda coautor, com Armando Freitas Filho, de Erótica e com Olga Savary, de Anima Animalis.

Em que momento da vida a descoberta da arte?

Bem cedo. Com quatro anos eu já gostava de rabiscar tudo, até as paredes de casa. Aprendi a escrever com cinco anos. Quando comecei a frequentar a escola, só tirava dez em redação. Dona Didi, minha professora, foi a primeira pessoa a me incentivar nessa área. Saudades daquele tempo. Profissionalmente, a primeira exposição se deu quando eu ainda estudava Arquitetura e tinha 17 anos. Contudo, não estava satisfeito com o curso, precisava de algo mais livre, menos amarrado e matemático. Fiz um novo vestibular e ingressei na Faculdade de Belas Artes da UFRJ, onde me formei em Gravura.

Quais influências considera centrais em sua formação como artista plástico e poeta?

São muitas. Posso citar alguns. Como artista: Iberê Camargo, Klint e Leonardo da Vinci. Como poeta: Armando Freitas Filho, Drummond, Bashô, Glauco Mattoso e Bocage.

Dos anos do exercício do magistério, algum balanço a fazer?  A universidade brasileira tem formado satisfatoriamente os alunos de Artes?

O saldo é bem negativo. A cada ano que passava, percebia que o nível dos alunos caía sensivelmente. A ponto de me fazer desistir de lecionar. Gostava muito de estar em sala de aula, mas acho que já queimei este carma. Alguns alunos chegavam à universidade sem a capacidade de interpretar um texto. Escrever, então… Agora, com essa situação política de desmantelamento da cultura e da educação, acredito que esteja muito pior. O cerne do problema nunca foi a universidade, ressaltemos. Não há mistério. Sem uma base sólida, o edifício não se sustenta. E isso, infelizmente, depende do interesse real dos governantes, que, por sua vez, demonstram níveis culturais e intelectuais cada vez mais toscos. Quanto à qualidade da formação em artes, não há como ela ser satisfatória acontecendo num cenário como esse em que vivemos. É triste. No entanto, existem também exceções. Há quem faça a diferença, estudantes esforçados que não se contentam com a simples aprovação.

Que aspectos destaca como mais significativos em sua atuação como curador de arte do SESC Copacabana, nos anos 1990?

Foram anos muitos felizes. Tive a sorte de conhecer artistas que são pessoas maravilhosas. Alguns já se foram. Pessoas maravilhosas que se julgam artistas e artistas sem o menor caráter. Alguns continuam vivos. Foram anos de aprendizado intenso, dos quais guardo muita saudade. Um dos pontos altos da galeria foi a unificação das tribos artísticas do Rio, Niterói e Grande Rio, artistas de todos os tipos e tamanhos. Em minha curadoria, nunca priorizei uma única linguagem artística, pois acreditava (e continuo acreditando) que o papel daquele espaço não era o de uma galeria comercial, que nele eu poderia democratizar o conhecimento e mostrar ao público as possibilidades do desenho à pintura, passando por instalações, cerâmica, gravura e performances. Outra coisa que pude colocar em prática foram as atividades artísticas com alunos das escolas públicas de Copacabana.

Ter fundado uma editora indica que o mercado editorial brasileiro ainda é insipiente?

Você citou a palavra chave: mercado. As publicações que apreciava e desejava editar não eram comerciais, eram para um público apreciador de boa literatura e arte de qualidade. Publicamos uma serie de 10 plaquetes com nomes como Armando Freitas Filho, João Gilberto Noll, Ferreira Gullar, entre outros. Os textos eram sempre inéditos e vinham acompanhados de uma gravura (xilogravura, gravura em metal ou litografia) original, com tiragem que variava de 50 a 100 exemplares. Publicações hoje raras. A maioria das editoras está mais preocupada em obter lucro. Nada contra, mas não é isso que me traz felicidade.

Como foi a experiência de ilustrar livros de importantes poetas brasileiros, como Olga Savary e Armando Freitas Filho?

Na verdade, não gosto de ilustrar, gosto de trabalhar como coautor. Armando é meu parceiro favorito. Gosto muito da poesia que ele faz, acho que dialoga bem com a minha gravura. Lançamos Erótica, no dia 17 de maio deste ano, uma edição comemorativa de um trabalho feito há 20 anos, mas acrescido de uma poesia inédita e gravuras inteiramente novas. A publicação é de apenas 100 exemplares e saiu pela Villa Olívia Editora. Com Olga, fiz o Anima Animalis, originalmente uma série de gravuras minhas que inspiraram os poemas do livro, editado pela Letra Selvagem. Ganhamos o prêmio APCA, em 2009 com este trabalho.

Quando e por que o interesse pelo haikai, matéria prima de seu primeiro livro de poesia?

Pelo desafio de colocar o máximo no mínimo e brincar com o significado das palavras e sentimentos. O haikai é um exercício fantástico de economia e lirismo. Esse foi um livro muito especial, pois contou com ilustrações do meu grande mestre Kazuo Iha, grande por ser um ser humano fabuloso e mestre por dividir seus ensinamentos. Tive a sorte de ser seu aluno na EBA-UFRJ. Também é uma publicação esgotada.

Em Homo Sapiens Sexualis, conforme bem destacou Carlito Azevedo, no prefácio da segunda edição, “O amor e o sexo são, neste livro, um salto para o abismo do outro”. É possível desvendar tal abismo?

Sim, é possível, porém nada aconselhável (risos). Quando o abismo é desvendado, acaba a graça e você tem, necessariamente, que procurar outra fonte. O que mantém a liga do relacionamento é justamente o abismo, o espaço entre núcleo e nêutrons que mantém tudo junto, ligado, imantado. É o que mantém a galáxia unida.

Os tabus sexuais, originados, via de regra, na mitologia religiosa, não serão uma forte razão das angústias e violência humanas?

Acredito que os tabus são ligados à culpa e à imagem de pecado, que, por sua vez, encontra um terreno fértil na falta de inteligência. É uma questão complexa. Se as pessoas fossem mais inteligentes ou fingissem ser inteligentes, o mundo seria menos violento, as pessoas mais compreensíveis. Os tabus sexuais são regras que funcionam através da moral. Pessoas que pensam e têm o espírito elevado são éticas e, consequentemente, livres de preconceitos e da crença do pecado. O maior problema disso tudo é que o desejo esta lá, no corpo, na alma, escondido como um bicho que tem vontade de fugir ― e foge regularmente.Por isso, a necessidade de controlar o desejo do outro.

Costuma ler literatura erótica? Nela, algum autor que lhe tenha influenciado mais vivamente?

Sim. Gosto muito de literatura erótica. Foi um choque ler Henry Miller aos 18 anos e descobrir possibilidades de arte que falam do corpo e do prazer de forma não metafóricas. Não gosto de literatura erótica que usa figuras de linguagem para nomear os sexos, tipo: mastro, gruta. Muito menos, em poesia. A poesia do Armando Freitas Filho me influenciou bastante.

A publicação da série de postais intitulados A Cara do Rio é um sinal de que o Rio de Janeiro continua sendo inspiração para imenso número de artistas?

A Cara do Rio acabou virando uma entidade com vida própria. É uma mostra coletiva que reúne artistas de varias tendências e técnicas. Eu assino a curadoria. Já estamos na 12ª edição, que deverá acontecer no Centro Cultural Correios do Rio, em 2020. Na última, 90 artistas participaram. A cidade do Rio de Janeiro sempre será motivo de inspiração para os artistas, pois ocupa lugar de destaque no imaginário das pessoas ao se falar do Brasil, seja dentro ou fora do país. O que não implica uma visão edificante, necessariamente. O inverso também é expressivo e cada artista tem total liberdade para trabalhar o tema, seja de forma crítica, turística ou abstrata.

 

Pode nos contar um pouco sobre sua mais recente exposição, Corrupções da Alma, ao lado de Marina Vergara, no Centro Cultural dos Correios do Rio de Janeiro, a celebrar suas três décadas de trajetória como artista?

A mostra abriu no dia 17 de maio e vai até 7 de julho próximo. Falamos sobre a corrupção, a partir dos sete pecados capitais. Enquanto Marina, sob minha curadoria, enfoca o tema de uma maneira geral, englobando cada um dos pecados, eu me aprofundo somente na luxúria. O resultado desse mergulho é Erótica, que une as treze novas gravuras utilizadas no livro em parceria com o Armando Freitas Filho a uma série de estudos do tema. Se trabalhar com arte no Brasil sempre foi complicado, hoje é ainda mais. A mídia cada vez dá menos espaço para divulgação da cultura. Quando o tema esbarra na sexualidade, a ignorância e o preconceito se travestem em censura. Um horror. Isso sem falarmos no quesito patrocínio. É como ter que matar um Leão de Memeia por dia. Independente disso, creio que fizemos um belo trabalho. Quando olho pra trás e avalio o caminho percorrido, sinto orgulho.

Sobre os autores da entrevista: Angelo Mendes Corrêa é doutorando em Arte e Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), professor e jornalista. Itamar Santos é mestre em Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP), professor, ator e jornalista.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

TÓPICOS

Siga-nos e receba as notícias do BOM DIA