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Linda de Suza, um poderoso símbolo da emigração

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Linda de Suza não foi apenas uma grande artista portuguesa em França que conseguiu vender vários milhões de discos.

Muito para além dos clichés habituais associados aos portugueses, ela foi acima de tudo um símbolo para milhões de compatriotas, que através da sua voz revelavam a sua condição de emigrante perante a sociedade francesa, a sua história de vida difícil e os seus sentimentos e, muito especialmente, o desejo de serem respeitados por tudo o que representavam para o país que os acolhia.

A mala de cartão, que se prestou a tantos aproveitamentos preconceituosos, foi uma poderosa metáfora que deu rosto a toda uma geração de emigrantes, que saíam de Portugal com o pouco que tinham, mas com muita coragem e ousadia para enfrentarem a incerteza de uma nova vida num país onde ser estrangeiro era mesmo viver à margem, sem conhecer a língua nem a cultura. Apenas trabalhar no duro e sonhar com a terra em Portugal.

A sua biografia, com mais ou menos diferenças, era a vida de cada um dos portugueses que tinham emigrado a partir dos anos 60, que Linda de Suza cantou sem complexos em francês, o que era novo, exprimindo tanto a sua condição de estrangeira como a saudade que a ligava ao país. E por isso exprimia assim o sentir de todo um povo que emigrava, que deixava um país que mal dava os primeiros passos na democracia e ainda tinha de fazer um longo caminho para o desenvolvimento.
As suas canções mais emblemáticas são isso mesmo que representam, como “Le Portugais, Valise en Carton“, que viria a ser um grande sucesso e a linha condutora da sua carreira, “L”étrangère“, “J”ai deux Pays pour un seul coeur“, “La Symphonie du Portugal”, “La fille qui pleurait“, entre tantas outras da sua vasta discografia.

E fê-lo com a sua voz alegre e ensolarada, que revelava aquilo que muitos preferiam esconder da sua condição, para não serem vítimas dos preconceitos, da rejeição ou das piadas feitas com os clichés que diminuem todo um povo. Tinha uma grande presença e a atenção dos franceses, não se envergonhava do passado nem do presente, exprimindo-o com um muito ligeiro sotaque de maneira simples e direta, onde cada um dos portugueses emigrados muito facilmente se revia, incluindo no sentimento de dupla pertença.

Todo o seu percurso, desde que deixou Portugal com 22 anos até à sua morte com 74 em Gisors, na Normandia, representa muito bem a história da emigração portuguesa para França, a que acresce a sua condição de mãe solteira, que chega sozinha e com um filho nos braços, numa altura em que a emigração era sobretudo feita pelos homens, o que tornava a sua luta pela afirmação duplamente difícil. Por isso, Linda de

Suza pode ser erigida como um símbolo universal da emigração, das suas provações, das suas errâncias, dos seus sonhos e esperanças, da luta por uma vida digna e respeitada, da vontade de integração e de reconhecimento.

Tal como acontece sempre com tantos milhões de percursos de vida, também o seu conheceu períodos de turbulência pessoal e profissional, momentos de glória e outros de dificuldades e desencanto. Mas nada disto deve desviar-nos do que é verdadeiramente essencial, que é recordar a rapariga de Beringel pela imensa importância que teve para tantas gerações de portugueses. Por ser a voz e o rosto da condição daqueles que não tinham nem uma coisa nem outra na sociedade francesa, afastados pelos complexos próprios e pela altivez de outros. Enfim, por fazer sonhar tantos milhares de portugueses com um percurso que começa do nada e acaba em aplausos nos palcos, sob os holofotes do reconhecimento, a esgotar o Olympia de Paris. E é por isso que Linda de Suza foi um dos maiores ícones da emigração portuguesa, como muito bem consideraram tanto o presidente Emannuel Macron como Marcelo Rebelo de Sousa. E é assim que deve ser recordada.

Paulo Pisco

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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