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Jô de Araújo: erudição e idealismo

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Nascido em Mata Fresca, no estado do Ceará, em 24 de agosto de 1929, Áureo Pereira de Araújo ou apenas Jô de Araújo, como era literariamente conhecido, ou ainda Frei Chico, no período em que pertenceu à Ordem Dominicana, faleceu na capital paulista, em 18 de fevereiro de 2022, deixando aos que com ele conviveram sólida lembrança de um intelectual de rara erudição, cujas preocupações pautaram-se pela luta por um Brasil mais democrático e menos desigual.

Filho de um vaqueiro e uma dona de casa, foi o décimo e penúltimo filho do casal e conforme afirmou em seu livro “Recordações de um tempo sem memória”, “…cresceu com a memória povoada de lendas e símbolos religiosos, de crenças fortes e de mitos, de superstições e ansiedades sempre renovadas, como as secas impiedosas, de vez em quando entremeadas de chuvas e safras bíblicas.”

Ainda menino, despertou interesse pelas histórias de boiadeiros e cantadores de sua terra natal, assim como pelas agruras trazidas pela seca: “Um, dois, três anos de seca ininterrupta deixavam o chão sem vida nas cercanias da Mata Seca. Os animais sem pasto e sem água para beber, a plantação germinando nas covas, desalento e consternação na alma.”

Pouco depois de ter completado cinco anos de idade, mudou-se com a família para o Amazonas, em busca de melhores condições de vida. Ali aprendeu as primeiras letras, numa escola ao lado do rio Solimões. Sua primeira leitura foi um trecho do livro “Saudade”, do escritor piracicabano Thales de Andrade. Surgia naquele instante o leitor ávido que o acompanharia até os últimos momentos da existência. Na escola primária, contava com os livros que a professora Iracema lhe emprestava, uma vez que percebera no menino o gosto pela leitura: “A mosca azul do prazer da leitura me mordeu para sempre. E nunca mais me curei dessa beleza, alegria pura de viajar universos inesperados, construídos por mentes humanas.”

Aos 13 anos ingressou no Seminário São José, em Manaus. Aos 18 no Seminário da Prainha, em Fortaleza, onde estudou filosofia e teologia: “…os estudos de filosofia e teologia eram escolásticos demais, superficiais, casuísticos. A filosofia era mais estudo da lógica aristotélica e um pouco de história da filosofia, com manual de Leonel Franca, jesuíta.”

Em 1952 passou a integrar a Ordem dos Dominicanos, partindo, no ano seguinte, para a França, onde matriculou-se na École de Théologie St. Maximin.

Ordenado padre em 1956, tornou-se membro da Juventude Estudantil Católica (JEC), em Belo Horizonte. Em 1963, residindo em São Paulo, foi eleito prior dos dominicanos.

Alinhado à ala progressista de Igreja Católica, foi preso em 1966, por criticas à ditadura militar. Um ano depois, abandonou a vida eclesiástica. Em 1969 exilou-se na França e na Universidade Sorbonne dedicou-se a estudar a natureza do estado e a função das ideologias nas sociedades capitalistas, regressando ao Brasil dez anos depois, após viver um período na Argélia.

Deixou publicados quatro livros de filosofia política: “Filosofia e práticas de democracia avançada” (1987), “Parlamentarismo, a hora e a vez da cidadania” (1993), “Cidadania e poder, a revolução da democracia acabada” (2011) e “2018 agora a reinvenção do Brasil” (2019); dois romances: “Era outono em Paris” (2000) e “Memorial de Rosamundo” (2006) e um livro de memórias: “Recordações de um tempo sem memória” (2013).

Angelo Mendes Corrêa é doutorando em Arte e Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), professor e jornalista.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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