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Intervenção na reunião da Comissão Nacional do PS

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Queria trazer a esta reunião da Comissão Nacional a recente repetição das eleições no círculo da Europa, porque ela é muito rica em lições. A primeira delas é que os portugueses residentes no estrangeiro são muito sensíveis a tudo o que acontece em Portugal.  Por isso acho que foi absolutamente decisivo para o histórico resultado que tivemos todo o combate para desmontar os argumentos falsos do PSD, que queria empurrar para o PS uma responsabilidade que era sua e só sua na anulação de 157 mil votos.

As comunidades compreenderam bem de quem era a responsabilidade, precisamente porque estão atentas a tudo o que se passa e reagem muito facilmente quando são desconsideradas ou quando as suas expetativas são frustradas. E é por isso que devemos encarar as vitórias com humildade, porque tão depressa nos são dadas como nos são tiradas, porque elas pertencem sempre, também, a quem as dá.

Mas não posso deixar de lamentar que tenha havido entre os nossos camaradas quem tenha acreditado ou ainda acredite mais nos argumentos do PSD do que em todo o empenho que tivemos a desmontar toda uma estratégia do PSD, montada de uma ponta à outra, uma profundamente antidemocrática, com o único propósito de não perder o seu eleito no círculo da Europa. Saíram-se mal, como se viu.

A segunda lição, é que as nossas comunidades não podem ser tratadas como se fossem um instrumento para outros fins, o que aviva um sentimento de abandono muito à flor da pele, um sentimento de não contarem para o país, que parece estar sempre mais preocupado com a gestão dos seus objetivos imediatos, sejam políticos ou não.

Não podemos continuar a ver os portugueses residentes no estrangeiro como se via nos anos 70, porque a sociologia das nossas comunidades mudou completamente, mudaram as mentalidades, os contextos, as expetativas, os níveis de conhecimento e a mobilidade.

Precisamos, por isso, de ter muita atenção para que a ação política não se torne desadequada em relação às expetativas e necessidades das comunidades nos tempos de hoje. É preciso, claro, continuar a cuidar dos vetores tradicionais da governação, como o atendimento consular, que agora deve ser uma das nossas grandes prioridades, o ensino de português no estrangeiro ou o associativismo, e com o mesmo desvelo com que no país se cuida da educação ou da saúde, mas é preciso ir mais longe, com mais recursos e com outras abordagens.

Acima de tudo, é preciso olhar para os nossos compatriotas residentes no estrangeiro como uma presença no mundo absolutamente estratégica do ponto de visto económico, político, cultural, diplomático e linguístico. É preciso ir ao encontro daqueles que não têm visibilidade, mas têm uma enorme relevância estratégica para puxar por uma imagem que ainda teima em persistir colada à emigração tradicional e aos clichés e preconceitos que lhe estão associados. E a ação governativa é fundamental para nos libertarmos de uma perceção preconceituosa ainda herança do Estado Novo. E esta imagem não é só das comunidades. É de todo o país, é a de todos nós.

É preciso olhar para a presença portuguesa no mundo procurando o seu valor na sua complexidade geracional, na sua riqueza e diversidade e multiculturalidade. E para isso precisamos também de fazer um mapeamento que nunca foi feito para saber quem são, onde estão, o que fazem e o que esperam de Portugal.

Há muito caminho a fazer porque persistem ainda discriminações que assentam numa mentalidade fechada que continua presente na nossa sociedade, no Parlamento, na governação, nas câmaras municipais, que navega entre uma certa indiferença, uma certa superioridade, uma certa insensibilidade e uma certa ignorância.

A fiscalidade é um dos domínios que precisa de abertura de espírito e de uma ação corajosa, muito particularmente no que se refere às pensões de reforma de compatriotas que querem regressar definitivamente ao país e são obrigados a viver de esquemas para não serem altamente penalizados pelo nível de imposição fiscal, que é muito superior ao que teriam no país onde constituíram a sua pensão de reforma. Mas também devemos concluir o trabalho já iniciado a nível do imposto sobre as mais valias nas transações ou na eliminação do representante fiscal. Há ainda outros domínios que precisam de outras abordagens, mas não quero agora ser exaustivo.

E há ainda outro tema ao qual não podemos fugir, que é o aumento do número de representantes no Parlamento. Como se podem manter, depois da introdução do recenseamento automático, apenas quatro representantes no círculo da Europa, se este círculo é o terceiro com mais eleitores (perto de milhão) e, atualmente, o nono com mais votantes, com uma imensa margem de progressão, que facilmente se tornará o quinto ou o quarto com mais votantes em futuras eleições?

É muito importante desenhar programas, para facilitar o regresso ou o investimento, que aliás, estão muito bem concebidos e eu sempre os defendi. Mas não podemos esquecer outros programas e iniciativas para quem está no estrangeiro a nível da economia, da ciência, da cultura, da cidadania, da participação política, nem tão pouco da dimensão afetiva que deve sempre fazer parte da relação com as comunidades.

As comunidades não devem ser vistas como um apêndice da nação, porque onde está um compatriota está Portugal inteiro, um forte sentimento de patriotismo que nunca é devidamente compreendido.  E não podemos nunca esquecer que os nossos compatriotas no estrangeiro são os ausentes mais presentes no país.

As comunidades são um dos vetores centrais da nossa política externa e Portugal é um dos países que no mundo melhor tem estruturado a relação com a sua diáspora com a representação no Parlamento e as políticas públicas que lhes são dirigidas. Só precisamos de ser consequentes a nível da governação e saber valorizar e reconhecer o papel central que as comunidades podem desempenhar na construção do nosso destino coletivo.

Paulo Pisco

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