Inconstitucionalidade da variável “f” no valor tributável das participações sociais sem cotação oficial
O Tribunal Constitucional julgou inconstitucional o segmento da alínea a) do n.º 3 do artigo 15.º do Código de Imposto do Selo (CIS), na parte correspondente à variável “f”, por violação do princípio da proporcionalidade, enquanto proibição de excesso, na sequência do aumento da taxa de juro de referência aplicada pelo Banco Central Europeu (BCE) às operações de refinanciamento.
CONTEXTO
A inconstitucionalidade do segmento normativo da al. a) do n.º 3 do artigo 15.º do Código do Imposto de Selo (CIS), na parte correspondente à variável “f”, traduzida no “factor da capitalização dos resultados líquidos calculado com base na taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu às suas principais operações de refinanciamento, tal como publicada no Jornal Oficial da União Europeia e em vigor na data em que ocorra a transmissão”, foi suscitada na sequência do aumento da referida taxa de juro de referência aplicada pelo BCE às operações de refinanciamento.
Recorde-se que o Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto acrescentou, para efeitos de cálculo do fator de capitalização, um spread de 4 %, de modo a corrigir uma distorção criada pela redação vigente até então, na medida em que a taxa de referência do Banco Central Europeu se encontrava, à data, em níveis próximos do zero, alterando, assim, a ratio subjacente à fórmula criada para o efeito, conforme consta do preâmbulo do referido diploma.
O CASO
Na génese deste Acórdão, ora em causa, n.º 750/2022 está a Impugnação Judicial com vista à anulação dos atos de liquidação de Imposto do Selo (IS) relativos à transmissão gratuita de duas ações, ocorrida a 15 de fevereiro de 2016, com os valores de € 1.249.143,85 cada uma.
Em virtude de as ações transmitidas não se encontrarem cotadas, a Administração fiscal procedeu ao cálculo do respetivo valor nos termos previstos do citado preceito.
Ora, a primeira instância recusou a aplicação da fórmula constante do artigo em causa, na parte correspondente à variável “f”, “por a sua utilização, in casu, conduzir a um resultado materialmente injusto e inconstitucional, violador dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva”, nos termos do preceituado nas disposições conjugadas dos artigos 18.º, n.º 2, e 62.º, n.º 1, e 277.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (Constituição), dando origem a esta pronúncia do Tribunal Constitucional.
A FÓRMULA DE CÁLCULO DO VALOR DAS PARTICIPAÇÕES SOCIAIS SEM COTAÇÃO OFICIAL
A fórmula legal para efeitos do cálculo do valor das participações sociais não cotadas – e, como tal, aplicável no caso em apreço – é aquela que consta da referida alínea do CIS, em que:
VA = 1/2 n [S + (R1 + R2) / 2) f)]
- VA (valor de cada ação à data da transmissão) igual a € 3.621,55
- n (número de ações representativas do capital social) igual a 45.000;
- S (valor substancial da sociedade participada, calculado a partir do valor contabilístico correspondente ao último exercício anterior à transmissão) igual a € 1.834.244,71
- R1 + R2 (resultados líquidos obtidos pela sociedade participada nos dois últimos exercícios anteriores à transmissão) igual a € 324.104,82
- f (fator de capitalização dos resultados líquidos calculado com base na taxa de juro aplicada pelo BCE às suas principais operações de refinanciamento, tal como publicada no Jornal Oficial e em vigor à data em que ocorra a transmissão) = 100/0,05 = 2.000.
A VARIÁVEL F
A oscilação da principal taxa diretora do BCE tem uma relevância central na análise do caso, uma vez que tem um impacto, direto, no preço (relativo) dos ativos, em especial das participações sociais não cotadas.
De facto, no caso em apreço, verificou-se que a mínima alteração (de centésimas!) da taxa de juro de referência aplicada pelo BCE às operações de refinanciamento “implica gigantescas alterações no valor de cada ação não cotada”.
A VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Assumindo que a capacidade contributiva se mede, neste imposto, pela titularidade de um determinado património (composto pelo conjunto de participações de uma sociedade não cotada), a opção político-legislativa de tributar esta particular manifestação de riqueza não poderia deixar de ter como limite a medida da força económica do contribuinte e respeitar os limites materiais da tributação.
Assim, o contribuinte entendeu que a interpretação normativa controvertida – a variável f da fórmula de cálculo constante do CIS – encerra uma violação do princípio da proporcionalidade, no aspeto da “adequação”, por considerar que a medida não reveste aptidão para o fim visado.
Diverso foi, porém, o entendimento do tribunal a quo, na primeira instância, que assentou o juízo de (in)constitucionalidade da norma em causa na ofensa dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, tendo por referência a transmissão de participações sociais economicamente comparáveis, designadamente as ações com cotação oficial.
O Tribunal Constitucional considerou, num juízo prima facie, que a fórmula de cálculo acolhida na alínea a), do n.º 3, do artigo 15.º, do CIS, como critério de avaliação das ações que titulam o capital social de uma sociedade não cotada, parece respeitar o chamado “teste da adequação”, por permitir aferir do valor tributável destas ações, em sede de IS. Ou seja, a medida seria apta a atingir o fim a que se propõe.
Mas, gozando o legislador de uma ampla liberdade de conformação na definição dos métodos ou critérios de avaliação a utilizar para avaliar as ações não cotadas, e apesar de poder haver outros métodos de avaliação igualmente eficazes, a solução legal encontrada pareceu-lhe respeitar ainda o crivo da necessidade (ou da exigibilidade).
De igual modo, reconheceu que, ao estabelecer um critério de avaliação das sociedades não cotadas, com a consequente imposição da tributação deste facto tributário em sede de IS, não obstante a mesma implicar ipso facto uma ablação do património do titular das ações, não estava perante uma medida restritiva de um direito fundamental, designadamente, do direito à propriedade privada, também consagrado na Constituição.
Sucede, porém, que o princípio da proibição do excesso tem uma dimensão axiológica inequívoca, impedindo o sacrifício desproporcionado do que seja valorado, tal como também explicou o douto Tribunal Constitucional.
Ora, no caso em apreço, o Tribunal Constitucional concluiu que o comportamento estadual – consubstanciado na imposição da tributação discutida nos autos – atinge um desvalor que é ostensivo e manifesto. Com efeito, e segundo o Tribunal Constitucional, é inegável que o critério normativo legalmente previsto para a avaliação deste lote de 6.910 ações, assente na aplicação da variável “f” da fórmula de cálculo constante do CIS, como fator de capitalização dos resultados líquidos da sociedade comercial em causa, em que “f” equivale a 2000, conduzindo a um valor final de avaliação em que “VA” se cifra em € 25.024.877,08, é, notoriamente (frontalmente), iníquo e excessivo.
CONCLUSÕES
Em face do exposto, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional o segmento normativo constante da variável “f”, integrada na fórmula prevista no CIS, por aplicação da taxa de juro aplicada pelo BCE às suas principais operações de refinanciamento, tal como publicada no Jornal Oficial da União Europeia, em vigor na data em que ocorreu a transmissão, por violação do princípio da proporcionalidade, enquanto proibição de excesso.
Saudamos a decisão, na medida em que as oscilações na principal taxa diretora do BCE não se correlacionam com a capacidade contributiva do alienante das participações sociais não cotadas, razão pela qual o denominado fator “f” se encontra desajustado, devendo ponderar-se a introdução de um critério alternativo ou, mesmo, tão-somente, a sua supressão na fórmula do CIS.
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Rogério Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
José Pedro Barros
Álvaro Pinto Marques
Mariana Baptista de Freitas
Inês Reigoto
Leonor Gargaté Oliveira
Bárbara Malheiro Ferreira
Alice Ferraz de Andrade
Raquel Tomé Castelo