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Hoje choveu em Moscovo

Perguntem a qualquer russo que tempo vai fazer no dia 9 de maio em Moscovo e todos responderão: “vai estar sol!”.

O clima não tem nenhum acordo com o governo de Putin. Tudo se explica de forma muito simples: o Kremlin despeja milhões de rublos sobre as nuvens para que isso aconteça.

Todos os anos, a Rússia envia aviões militares bombardearem as nuvens para que se transformem em chuva antes que cheguem a Moscovo.

Os produtos químicos, que incluem iodeto de prata, gelo seco ou um tipo de cimento, fazem chover nos arredores de Moscovo e garantem céu azul sobre a capital para o desfile de 9 de maio, data em que os russos comemoram a vitória sobre os nazis.

O Dia da Vitória, como é chamado na Rússia, é uma “celebração da vitória do Exército Vermelho e do povo soviético sobre a Alemanha nazi na Grande Guerra Patriótica de 1941-1945”. Assim é descrito no decreto do Presidium do Soviete Supremo da URSS que o estabelece.

Dia 9 de maio é a data mais marcante entre as várias manifestações da glória militar russa e uma comemoração que resistiu ao fim da União Soviética. No Dia da Vitória, desfiles militares, paradas e fogos de artifícios acontecem em todas as grandes cidades russas. Em Moscovo tem lugar o maior evento, mas que este ano não contou com a cereja no topo do bolo: a demonstração aérea com aviões militares. Ninguém sabe se foi por causa do mau tempo (poupo-vos as muitas teorias de complô), mas nem os aviões russos sobrevoaram a Praça Vermelha nem o sol se manteve durante todo o dia. A chuva caiu depois da parada e os russos que recordavam os seus familiares do regimento dos imortais fizeram-no debaixo de chuva.

Esta é uma das “novas tradições” do Dia da Vitória: milhares de pessoas concentram-se nos locais de celebração e desfilam com retratos de familiares veteranos da Segunda Grande Guerra, a maioria mortos em combate, o chamado “Regimento Imortal”.

Perguntem também a qualquer russo como acabou a Segunda Guerra Mundial: foram os soldados da União Soviética que derrotaram, sozinhos, os alemães. Recordo ter mostrado uma página Wikipedia a uma amiga russa com uma introdução para que ela não reagisse mal: “a mim o que me ensinaram é que os Aliados, entre os quais estavam os russos (e os ucranianos, que na altura eram parte da URSS), cercaram os alemães e pimba!”.

Ela só não gritou porque estávamos no restaurante, mas manifestou o seu espanto: “como é que um gajo inteligente como tu acredita nessa história da carochinha”. E atirou-me que a avó dela se lembra de quase todos os rapazes da aldeia terem partido para morrer, para derrotar os nazis.

Disse-lhe que sim, que sabia disso, e que sabia que milhões de russos morreram nessa guerra. Apesar das minhas explicações, a ferida entre nós ficou ali, aberta. Eu tinha tocado em algo essencial, num dos momentos mais marcantes da História da Rússia que ela comemorou desde pequenina, desde a creche, onde a vestiam de militar ensinando-lhe cânticos comemorativos à glória da Rússia e contra os nazis.

Ainda hoje é assim. Numa cidade da Rússia profunda tenho uma afilhada adorável, de meia dúzia de anos, que ontem a mãe fotografou e colocou nas redes sociais, fardada a rigor, com estrela da Ordem da Vitória na boina e tudo.

É por isso que os ucranianos hoje são equiparados a nazis pelos dirigentes da Rússia. Tantos anos depois da Segunda Guerra, é a forma mais simples de justificar uma invasão junto de um pobre povo que quase já se habituou a ditadores.

Raúl Reis

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