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Graciliano Ramos e o Partido Comunista Brasileiro

No livro Cadeia, Clara Ramos, uma das filhas do escritor Graciliano Ramos, apresenta algumas considerações a respeito do Partido Comunista Brasileiro e da parcela de intelectuais que a ele aderiu, nos anos 1930, na luta pelo socialismo.

As diversas células do PCB passaram a organizar, na década de 1930, cursos, círculos de estudos e debates literários, cujos temas iam da teoria literária às obras de seus contemporâneos, como Graciliano Ramos, Jorge Amado, José Lins do Rego e Rachel de Queiroz, entre tantos outros.

Nos anos 1940 teremos, todavia, as primeiras cisões entre o PCB e alguns de seus intelectuais militantes, sobretudo por não concordarem com as concepções do realismo socialista, cujo teórico era Zdanov, incumbido por Stálin de “pôr ordem nas fileiras dos ideólogos e castigar os desgarrados”.

A obra do autor de Vidas Secas mostra-nos que ele soube, embora militante do PCB, resistir como poucos às tentações fáceis do realismo socialista. Clara Ramos observa em Cadeia que ” o realismo socialista não contaminou a obra de Graciliano Ramos” e que ela “prosseguiu livre das ingerências extra-literárias, a transcender, inclusive, a visão política e social do autor.” Completa afirmando que “o humano, a angústia do homem defrontado com sua própria ontologia: a tragédia do ser primitivo destituído de sua humanidade, num corpo a corpo desesperado com as fúrias cósmicas de uma condenação mítica: o bem e o mal, irrompendo no copo d’água recebido na cadeia ou no cano de um revólver às costas, são valores que a leitura social não consegue abarcar na obra graciliânica.”

Estudiosos da vida e da obra de Graciliano, como Ricardo Ramos, Nelson Werneck Sodré e Dênis de Moraes são unânimes em afirmar que no PCB o escritor foi um militante disciplinado, por mais que isso lhe custasse alguns conflitos de ordem interior. Contudo, no âmbito familiar e dos amigos mais próximos, constantemente o autor de S.Bernardo fazia desabafos com relação aos dirigentes partidários. Certa vez, indignado com a exaltação que alguns companheiros faziam do ideólogo do realismo socialista, explodiu: “Esse Zdanov é um cavalo!” No PCB, conforme depoimento de Ricardo Ramos, em Graciliano retrato fragmentado, costumavam enxergá-lo burguês e elitista.

Quando começou escrever as Memórias do Cárcere, os atritos com o PCB passaram a ser cada vez mais constantes, pois seus dirigentes queriam fazer uma leitura prévia dos capítulos, conforme fossem escritos, a fim de sugerir eventuais alterações que julgassem oportunas. O fato é que o conteúdo das Memórias incomodava a vários dirigentes comunistas, uma vez que alguns de seus destacados líderes nelas apareciam sem nenhuma aura mítica, como tanto gostavam de imprimir.

Morto Graciliano, a cúpula do PCB tentará, sem êxito, censurar os manuscritos deixados com a família e o editor José Olympio. A conseqüência será uma dura conversa entre Ricardo Ramos e Astrojildo Pereira, figura de relevo nas fileiras comunistas da época.

Publicadas as Memórias do Cárcere, os dirigentes comunistas nenhuma palavra emitiram publicamente. Entretanto, alguns de seus membros mais exaltados chegaram ao extremo de dizer que a obra não passava de mero “elogio da polícia e da pederastia”, conforme afirmação de Ricardo Ramos.

Graças a seu caráter pautado pela coerência, avesso às soluções baratas de proselitismo político, Graciliano Ramos quis apenas revelar em suas Memórias do Cárcere a dolorosa experiência de cerceamento de liberdades do governo Vargas, da qual foi vítima. Nas oportunas palavras de José Carlos Garbuglio, o que sempre buscou, tendo por testemunha a sua obra, foi “o exame do homem fora das classificações fornecidas”. Daí figurar como um dos maiores nomes da literatura brasileira.

Sobre o autor do artigo: Angelo Mendes Corrêa é doutorando em Arte e Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), professor e jornalista.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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