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A Família e a Criança – Um amor sem limites

Hoje é o Dia da Criança.

Falar de crianças é falar da Família. Segundo o que é comummente proclamado a Família de hoje é um lugar vazio, sem norte e sem princípios. No tempo de pressa em que vivemos perdeu-se, desfiaram-se os laços, ficou o vazio, de cada um e de todos dentro dos seus gadgets, ligados a outros distantes, que são tantos e são nenhuns. Vazios. Cheios de listas na memória do que temos de ter, de fazer e até de ser. Ainda mais vazios.

Carregamos uma vontade individualista e hedónica, que culmina no investimento concedido à nossa realização pessoal – as horas no ginásio, no shopping, no salão de beleza e na barbearia, porque a boa aparência é imprescindível (e vendável); as infindáveis horas extra no trabalho, porque queremos ser exemplos de competência e entrega absoluta e sempre mais e mais competitivos; o tempo despendido a explorar apps, a ler jornais e revistas de especialidade e a fazer cursos e workshops, porque desejamos ter o melhor ponto de vista, uma opinião consciente e equilibrada e interesses valorizados socialmente… Dizem que até os divórcios têm que ver com a procura egocêntrica da felicidade “pronta a consumir”. Se o outro não é o que queremos mudamos a página, sem ligarmos ao amor eterno que, um dia, jurámos apaixonados.

E os pequenos lá estão, entediados, habituados a terem tudo, sempre e o mais rápido possível, porque sentimos culpa, porque sentimos essa intensa responsabilidade. Vão estar muito mais preparados do que nós para esta realidade crua e dura (dizemos) e para isso vão já para o inglês, para o mandarim, para o piano, para o ballet e para o futebol (não vá termos um Cristiano Ronaldo em casa subaproveitado). Chamamos-lhes príncipes e princesas e queremo-los limpos e compostos SEMPRE. E ainda os sujeitamos a modelos familiares inconcebíveis!

Somos tão imperfeitos… e ainda bem. Porque é nesta imperfeição de sermos homens e mulheres que as famílias existem desde sempre (embora reconheça que nem todas são bem-sucedidas).

Depois deste “retrato” importa esclarecer as outras faces da família.

Sim, é verdade que vivemos assoberbados, cheios de stress e de desafios, que os dias deveriam ter 48 horas, que nunca dormimos o suficiente ou tão sossegadamente quanto seria necessário. É verdade que não daremos aos nossos filhos tantos irmãos como gostaríamos, e que eles passarão várias horas todos os dias na creche ou na escola, nas explicações ou nas atividades extracurriculares, e que, por força das circunstâncias, existirão muitos elementos da família que só irão conhecer por fotografia. Talvez lhes faltemos num ou noutro momento importante, como quando caírem e esfarraparem o joelho ou quando sofrerem o primeiro desgosto amoroso. Talvez não lhes possamos dar em todos os dias os beijos e abraços que merecem e dedicarmos aquele tempo precioso a ouvir como lhes correu o dia.

Mas ainda assim estaremos cá. Todos os dias. A sermos o melhor que sabemos. A acolhê-los nos braços e no colo, e na alma e no coração, a sentir orgulho em todas as vitórias e a erguer-lhes a cabeça nas derrotas.

A Família hoje é plural e multidimensional, conjugando os desafios da sociedade atual com uma enorme capacidade de amar sem limites. E é esse amor sem limites que a salva e que nos salva. O tempo que lhe é roubado no quotidiano é vivido por inteiro no piquenique de domingo, na ida ao parque, na partida de futebol ao fim da tarde, no banho fresco no rio ou no mar, na conversa descontraída sobre um qualquer assunto, nas mãos dadas no escuro do cinema, na história contada antes de apagar a luz, na guerra de almofadas e na de cócegas, nos abraços, nos beijos e nos olhares que se riem ao trocarem-se.

Hoje a Família, como ontem, vive destes pequenos e eternos momentos e de um amor que não está em crise, nem se sedimenta em preconceitos vãos. A Família é acima de tudo o lugar seguro para onde iremos – nós e os nossos filhos – em qualquer queda, em qualquer dor, onde há colos quentes e doces, mas também há exigência e responsabilidade, porque é nela que nos formamos como pessoas e cidadãos, aprendendo princípios e valores.

Os nossos filhos não nos querem perfeitos, nem nós podemos querer que eles o sejam. O que tem de ser perfeito é o elo que nos une – o amor em estado puro

que nos faz acordar de noite para ir espreitar se está tudo bem e que os fará voltar sempre ao nosso colo quando o quiserem. Nisto não devemos andar distraídos. As nossas crianças e o amor que com elas construímos merecem cuidado e estima. Rejeitemos qualquer forma de descuido. Não há nada mais triste do que crianças que são descuidadas e desamparadas.

Por outro lado, mantenhamos a nossa criança interior, a que fomos ou a que gostaríamos de ter sido, porque ela é capaz de nos proteger, mesmo quando atropelados pelas vicissitudes da vida, de sermos amargos, austeros, distantes e insatisfeitos e por isso maus pais e pessoas infelizes.

Por fim, não tenhamos a tentação de querer tornar a criança um adulto em miniatura. Deixemo-la viver a infância, sem lhe amarrarmos os pés e as mãos, e lhe taparmos os olhos e boca. Deixemo-la estar cheia de vida e entusiasmo a correr na rua, mesmo que tropece, que se magoe e que regresse a casa suja e despenteada. Deixemo-la errar sem que disso se faça uma tormenta. Errar é crescer! Deixemo-la ser (hiper)ativa, sonhadora, inocente. Deixemo-la ter tempo para encontrar as suas respostas, usando a criatividade e a imaginação. Que pinte o céu de vermelho, e então? Não ficará vermelho o céu ao pôr-do-sol? Tenhamos tempo para vê-la, para senti-la, para ouvi-la. E, antes de qualquer outro presente, tenhamos tempo para a abraçar, para a sentar (ainda) no colo e rir de uma qualquer brincadeira. Não tenhamos pressa de lhe dar tarefas, objetivos e responsabilidades. A vida encarregar-se-á disso. Deixemo-la ser feliz, despreocupada e “estar cheia de céu por cima” (Mia Couto).

Cuidemos igualmente para que as outras crianças, aquelas que não nasceram de nós, tenham infâncias felizes e vejam respeitados os seus direitos. Elas também são da nossa responsabilidade.

Há tanto para fazer. Arregacemos as mangas. É possível, porque temos, dentro do peito a transbordar, este amor infinito.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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