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Fabiana Cozza: a melhor tradição do samba

Com toda razão está Paulo César Pinheiro, ao se referir a Fabiana Cozza como “uma das vozes mais bonitas surgidas nos últimos tempos, de timbre personalíssimo que veio para ficar”.
Paulistana da Barra Funda, filha do sambista Oswaldo dos Santos, da Camisa Verde e Branco, em duas décadas de uma carreira construída com rara solidez, coerência e repertório primoroso, a prova de sua consagração está no fato de já ter sido convidada para dividir o palco com nomes da importância de Sadao Watanabe, Orquestra Jazz Sinfônica, Dona Ivone Lara, Ivan Lins, Zimbo Trio, Francis Hime e Leny Andrade, dentre tantos outros do primeiro time de nossa MPB e de ser verdadeira unanimidade entre os críticos , conquistando um público fiel que cultiva o que há de mais genuíno em nosso samba.

Raros os artistas que se relacionam com o onírico de forma direta e constante. Dentre as exceções, encontramos Fabiana Cozza. Em que momento nasceu a vontade de cantar?
Fabiana Cozza : Sempre gostei de cantar. Na minha família, além do meu pai, tenho primas que são excelentes cantoras. Cresci participando de rodas de música em casa, cantando na igreja católica, mas profissionalmente decidi assumir a carreira aos 21 anos, após participar do grupo vocal Novella, dirigido por Jane Duboc.

Existiu ou existe um ídolo que tem sido inspiração para sua carreira?

Grandes cantores brasileiros e internacionais me inspiram. Dos brasileiros, em especial, Elizeth Cardoso, Elis Regina, Clara Nunes e Milton Nascimento são artistas que me inspiram pela obra e postura artística.

Sua música faz grande referência às religiões africanas. De onde veio seu interesse pela cultura e religião africanas?

Isso acontece desde que tomei consciência da minha história pessoal, da história do Brasil, de nossas origens. A cultura afro-brasileira diz muito a respeito de nossos costumes e está presente em nosso dia a dia na língua, na vestimenta, na culinária, na dança, na música etc.

Suas apresentações sempre emocionam grandes plateias, com sua presença cênica marcante. Você estudou teatro e dança?

Estudei, mas não de forma acadêmica. Fiz várias aulas de dança afro (brasileira e contemporânea com referência do Mali, dança tribal), aulas de danças populares brasileiras (coco, maracatu, carimbó, jongo paulista, samba de roda etc). No teatro, participei de algumas montagens de temática brasileira: O Canto da Guerreira – homenagem à Clara Nunes, outra sobre Ary Barroso, sobre Clementina de Jesus, e a última montagem com texto de Gianfrancesco Guarnieri, intitulada A Luta Secreta de Maria da Encarnação.

Ao longo de sua carreira, você já foi indicada ao prêmio Tim como melhor cantora de samba e artista revelação em 2005. E também ao prêmio Rival Petrobras, no mesmo ano, além de representar o Brasil no Popkomm, em Berlim. O ano de 2005 foi um divisor de águas em sua carreira?

Não considero as indicações um divisor de águas. Elas foram fruto do reconhecimento por parte da crítica de um trabalho com qualidade artística e fiquei feliz por isso. Considero meu terceiro cd, cujo título é homônimo ao meu nome, isto sim, um divisor de águas, pela minha maturidade pessoal e, consequentemente, artística.

Como analisa a produção musical independente? E o que dizer da indústria fonográfica?

Acho que tem artistas que apresentam trabalhos bastante consistentes e maduros de composição e comprometimento artístico como Tiganá Santana, Leandro Medina, Kiko Dinucci. Há também uma cena de novos cantores que me deixam cheia de esperança de um cenário musical rico. Cito: Sergio Pererê (MG), Luciana Alves (SP), Emicida (SP), Ellen Oléria (Brasília), Karynna Spinelli (PE), Criolo (SP), Luiza Dionísio (RJ), Adriana Godoy (SP), Juliana Amaral (SP), Rael da Rima (SP), entre outros que admiro.

No DVD quando o Céu Clarear toda composição visual, instrumental e cênica, aliada ao seleto repertório e à sua voz ímpar, temos um conjunto precioso de qualidade e bom gosto. Como se deu o processo de criação desse trabalho?

Primeiro veio o cd, em 2007, e no ano seguinte, recebi um convite para fazer apresentações em três datas no Auditório do Ibirapuera, em São Paulo. Pensei que seria uma ótima oportunidade para convidar outros colegas como Chico César, Maria Rita, o pianista cubano Yaniel Matos, Rappin Hood e o Quinteto em Branco e Preto. Depois que todos aceitaram o convite, procurei a TV Cultura e propus uma parceria para fazermos o dvd. Foi assim que nasceu.

Além do samba, aprecia outros gêneros musicais? O que costuma ouvir no dia a dia?

Ouço música, independente do gênero. Atualmente estou ouvindo o trabalho de instrumentistas brasileiros, Jorginho Gomes, trombonista de SP, sem dúvida um dos expoentes da cena instrumental brasileira de hoje, o novo cd do grupo mineiro Camiranga, o novo do violonista Chico Pinheiro, a Dianne Reeves (sempre), para me sentir feliz com a arte do cantar e aprender.

Você tem sido aclamada pelos críticos, jornalistas e público. Como isso repercute em sua vida?

Fico feliz com o reconhecimento e ainda mais focada em fazer uma música em que muitos outros se identifiquem e que a mesma tenha força para dialogar com o mundo todo.

Julio Plaza, figura de destaque no diálogo da arte com as novas tecnologias, no livro Tradução intersemiótica diz: “A arte se situa na urdidura indissolúvel entre autonomia e submissão. Filha de sua época, a arte, como técnica de materializar sentimentos e qualidades, realiza-se num constante enfrentamento, encontro-desencontro consigo mesma e sua história.” O samba tem toda uma tradição, sua referência manifesta uma apropriação histórica no tempo-espaço. É irrevogavelmente um ícone do gênero musical. E o que falar dos ritmos musicais surgidos a partir dos anos 80, como a releitura da música caipira com influência norte-americana ou os grupos do norte e nordeste do país que tentam remodelar a velha tradição da música sertaneja. Acredita que devam ser considerados arte musical?

Há muitos ritmos que, como o próprio nome diz, são ritmos, variações de figuras musicais que caracterizam um gênero. Variações acerca dos gêneros (mistura de ritmos, experimentos sonoros etc etc) sempre existiram, fruto, inclusive ,do que o mercado fonográfico (hoje falido) dita e a mídia em geral abraça e difunde como novidade, moda, a bola da vez. Existe uma máxima que é: há dois tipos de música – a de qualidade e a descartável. A primeira sobreviveu sempre. Agora discutir qualidade também rende outra pauta.

Como é selecionar o repertório musical para um cd? Alguma música que você gostaria muito de ter incluído e que não foi possível? O artista tem autonomia na seleção ou a imposição das gravadoras é mais forte?

Sou uma artista independente, o que me dá autonomia para escolher repertório, escolher músicos e equipe de trabalho etc etc. Canto aquilo que realmente me emociona, esta tem sido minha diretriz.

Em tempos de grande pirataria e desrespeito aos direitos autorais, há algum meio para se resguardar?

Não sei dizer qual o meio para me resguardar contra a pirataria. Acho importante haver fiscalização.

Sobre os autores da entrevista: Angelo Mendes Corrêa é doutorando em Arte e Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), professor e jornalista. Itamar Santos é mestre em Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP), professor, ator e jornalista.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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