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Estátuas

A onda iconoclasta não poupou Portugal. Em afronta ao país, à sua História, à sua capital, alguém, consta que já identificado pelas autoridades policiais, danificou a estátua do Padre António Vieira, no largo Trindade Coelho, em Lisboa, pintando a vermelho corações sobre as figuras das crianças índias, borrões na figura do homenageado e, numa das faces do pedestal, uma mensagem de analfabeto: «DESCOLONIZA». É caso para perguntar o que pensará disto a jornalista Fernanda Câncio, conspícuo arauto de uma reescrita politicamente correta da História, que, já por alturas da inauguração do monumento, se insurgira grotescamente contra o facto de as crianças índias estarem seminuas e o padre vestido — mas não era assim que eles andavam?, ou queria o padre nu e os pequenos índios com fatos de lã?

O Padre António Vieira era um homem da sua época. Preconizava um tratamento humanista para os escravos, mas dificilmente se poderia esperar que fosse já um abolicionista. Estamos a falar de há três ou quatro séculos, quando a escravatura era tida como moralmente aceitável. Praticavam-na, não apenas os europeus, mas a grande maioria (senão a totalidade) das sociedades humanas. A Bíblia e o Corão
reconhecem-na e até dão instruções sobre formas de a gerir. Também houve escravos europeus nos reinos muçulmanos medievais; os piratas magrebinos costumavam raptar mulheres nos arquipélagos da Madeira e das Canárias para as terem como escravas sexuais até às vésperas do parto, a fim de, conforme expressamente declaravam, propagarem a raça dos «verdadeiros crentes» em Alá; e os europeus que levavam escravos para as Américas nem sempre tinham de os caçar, pois os próprios potentados africanos lhes vendiam pressurosamente os seus.

A mim sidera-me mais (infinitamente mais!) que — hoje, nos dias em que vivemos e nos digladiamos sobre isto — um terço da população do Níger (por exemplo) se componha de escravos. Tendo o Níger cerca de 22 milhões de habitantes, haverá lá, portanto, uns 7 milhões de homens e mulheres que são propriedade de outros, quais mulas ou cavalos.

…e que na Índia ainda vigore o crudelíssimo e injustíssimo sistema de castas. Infeliz de quem não tenha a sorte de nascer brâmane. Até no sistema de apartheid da África do Sul branca um negro tinha, pelo menos teoricamente, a possibilidade de sair das suas raízes pobres. Não lhe seria fácil, e provavelmente enfrentaria sempre a discriminação racial, mas, pelo menos no seio da sua comunidade, poderia evoluir. De qualquer modo, o apartheid sul-africano passou à história. Não assim o sistema de castas da Índia: quem nascer no fundo da escala tem é de se resignar à sorte, sabendo que jamais mudará de prateleira e que só lhe restará ser bom e submisso nesta existência, a ver se, quando reencarnar, é agraciado com a subida de um degrau. Isto, repito, nos dias de hoje, na pretensamente progressista Índia, pioneira do Movimento Não Alinhado; que criticava o sistema de segregação racial na África do Sul; que chamava a Goa, Damão e Diu «borbulhas no belo rosto da Mãe Índia» e portanto, sem nada perguntar aos diretamente envolvidos, os invadiu e anexou à bruta…

Na verdade, estes ataques a certos momentos da História da Europa (que absurdamente se insiste em apreciar à luz dos valores de hoje e que uma mentalidade autoflageladora parece patrocinar de bom grado) destinam-se sobretudo a fazer fretes a movimentos oportunistas como o Black Lives Matter (permita-se-me lembrar que o correto seria all lives matter).

Continuando a falar em estátuas… há poucos anos, ergueram uma no Alentejo a «IBN QASI, SENHOR DE MÉRTOLA, 11441147». Lá está, impante, no seu cavalo de conquistador das terras dos infiéis. Independentemente das origens do homenageado (Ibn Qasi nasceu na Silves muçulmana, de família cristã convertida ao Islão, sendo que o patronímico Qasi derivaria do latim Cassius), a mensagem que, numa primeira leitura, se retira de um monumento como aquele é de que esta era terra moura de origem, abusivamente conquistada por uns malévolos «cruzados».

Se mal não pergunto, haverá congéneres em Marrocos, dedicadas a «Afonso V, senhor de Alcácer Ceguer, Arzila e Tânger»? Ou só as incursões europeias em terra alheia foram formas de imperialismo?

O presidente da República pouco ajudou: querendo mostrar o absurdo da reescrita do passado, comparou a vandalização da estátua do Padre António Vieira a um hipotético ataque a Afonso Henriques, que também «oprimiu os mouros». Conviria o cidadão Marcelo Rebelo de Sousa aprender que o papel de Afonso Henriques foi reconquistar terras ocupadas pelos muçulmanos no século VIII e que os cristãos, muito justamente, queriam recuperar. Portanto, faz tanto sentido dizer que Afonso Henriques oprimiu os mouros como que o Mahatma Gandhi oprimiu os ingleses (cada um à sua maneira, lutaram ambos pela reconquista da terra que outros tinham invadido). Com
contributos desinformativos destes, não nos admiremos se qualquer dia aparecerem por aí uns politicamente corretos a preconizar pedidos de desculpas aos descendentes dos invasores árabes e a devolução da terra hispânica a «senhores» muçulmanos.
Deixar-nos-iam, talvez, as Astúrias…

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