Esponjas marinhas portuguesas podem substituir opioides

O primeiro analgésico não-opioide virá de esponjas marinhas portuguesas existentes ao largo da costa de Sagres. Foi no oceano que surgiu uma descoberta promissora: um novo fármaco para tratar a dor crónica, com potencial para substituir os analgésicos convencionais, frequentemente associados a efeitos secundários graves.
De acordo com o jornal Expresso, a inspiração para este composto surgiu de forma inesperada. Durante uma sessão de mergulho, Pedro Lima, diretor-geral e cofundador da start-up Sea4Us, viu a sua companheira tocar num organismo marinho que provocou uma reação surpreendente — ficou visivelmente inchada, ao ponto de se tornar irreconhecível. Mas o mais intrigante foi o facto de não sentir qualquer dor. “Percebi, naquele instante, que o animal tinha propriedades neuroativas, com capacidade de anestesiar”, recorda Pedro Lima. Essa observação acidental deu origem a um caminho de investigação que poderá revolucionar o tratamento da dor. Essa observação acidental deu origem a um caminho de investigação que poderá revolucionar o tratamento da dor.
“O mar tem estas substâncias que, se tiverem a oportunidade de ser retiradas, trabalhadas, refinadas e purificadas, poderão dar-nos algo de muito útil para a medicina e para as doenças que precisam de novas terapias”, explica Pedro Lima. O potencial destas substâncias marinhas provocou uma mudança de paradigma na maneira como se idealiza os analgésicos.
A dor crónica afeta uma em cada cinco pessoas e poderá ser combatida com as esponjas marinhas portuguesas, uma vez que foi possível retirar um extrato destes organismos marinhos, que atua sobre os neurónios que transmitem o sinal da dor. Para identificar qual seria a molécula responsável por esta ação, desenvolveram o projeto MAR4PAIN. “Chegarmos à molécula abre-nos várias possibilidades, como fazer mais testes e fazer a patente”, porque “não conseguimos patentear um extrato”, explica. Este projeto permitiu, assim, alcançar a patente.
Um dos grandes obstáculos foi encontrar uma forma de extrair a molécula ativa sem comprometer o equilíbrio dos ecossistemas marinhos. Para isso, desenvolveram um “método de construção artificial da molécula”. “Temos uma maneira sustentável de ter quantidade, não explorando um recurso marinho de uma maneira que seria insustentável para o ecossistema”, garante.
Esta síntese artificial permite ainda “que a produção seja mais barata, mais fácil e que tenha características mais convidativas para um comprimido”, como a resistência ao calor e estabilidade do princípio ativo.
Com a finalidade de desenvolver um fármaco capaz de mitigar a dor crónica moderada a severa, a equipa de investigação da Sea4Us tem realizados testes, que comprovam que este analgésico marinho será uma boa alternativa às existentes no mercado, como os opioides, o fentanil ou a morfina. “Não se prevê quaisquer tipo de efeitos secundários conhecidos, como, por exemplo, os opioides com a questão da adição e da habituação, porque o modo de ação da nossa molécula é periférico, [ou seja], não entra no sistema nervoso central”, refere o diretor-geral da start-up.
O objetivo é fabricar quantidade suficiente para realizar testes pré-clínicos regulados, exigidos antes de ser possível testar em humanos (para avaliar potenciais efeitos e riscos).
Neste momento, há farmacêuticas interessadas em adquirir o licenciamento, nomeadamente no Japão, onde não é possível a subscrição de opioides, assim como na Europa. Os Estados Unidos serão oa próximo alvo. Pedro Lima revela ainda que “se houvesse esse interesse, eu estaria interessado em que este produto ficasse em Portugal”, em especial por ser um fármaco “vem do mar português”.
A Sea4Us desenvolveu dois projetos financiados: o MAR4PAIN, que permitiu identificar, sintetizar e patentear a molécula, e o MAR4PAIN2, no qual estabeleceram a prova de conceito em seis modelos animais de doença e iniciaram os testes pré-clínicos. O primeiro recebeu o apoio de 506 mil euros através do programa Algarve 2020, dos quais 353 mil euros provieram do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional. Enquanto o MAR4PAIN2 obteve através do mesmo programa cerca de 804 mil euros, dos quais 402 mil euros provieram também do FEDER.