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Embaixador para a ciberdiplomacia: as ‘fake news’ põem em causa a democracia

Luís Barreira de Sousa, embaixador para a ciberdiplomacia, foi recentemente nomeado como responsável em Portugal pelo sistema de alerta rápido da União Europeia (UE) para ‘fake news’.

“Vários países europeus criaram o cargo de embaixador para a ciberdiplomacia. No fundo, é um diplomata dedicado para acompanhar os assuntos relacionados com a segurança no ciberespaço”, o que inclui não só a prevenção e resolução de conflitos entre Estados, mas também a luta contra a cibersegurança, explicou.

“No fundo, eu acompanho esta agenda internacional”, prosseguiu, adiantando que, no contexto da UE, os Estados-membros estão “evidentemente preocupados com o impacto que a desinformação possa ter em mais de 50 atos eleitorais que vão ter lugar nestes dois anos, de 2019 e 2020, e, designadamente, como é óbvio, nas eleições do Parlamento Europeu em maio”.

A preocupação com a desinformação, ou numa expressão mais corrente ‘fake news’, “foi um pouco crescente”, nomeadamente depois do impacto deste fenómeno nas eleições nos Estados Unidos, em França e no referendo do ‘Brexit’, no Reino Unido.

“A própria Comissão Europeia criou em 2015 (…) uma equipa de comunicação estratégica para detetar, analisar e expor peças de desinformação. Esta equipa foi criada dentro do serviço de ação externa e foi detetando casos de desinformação em número crescente e, portanto, (…) também por esta via foi alimentada um pouco esta angústia, esta preocupação”, acrescentou.

Isso levou a um longo processo de consultas com operadores de plataformas digitais, universidades, sociedade civil, especialistas, “que redundaram no final do ano passado na aprovação de um chamado pacote eleitoral pela Comissão Europeia e de um plano de ação contra a desinformação pelo Conselho Europeu”.

Ora, o plano de ação tem quatro pilares, dos quais o “mais importante é, de facto, a criação de um sistema de alerta rápido, que vai ser agora apresentado em março”, mas ainda não se sabe, verdadeiramente, quais as suas características.

Este sistema de alerta rápido “vai ser baseado numa infraestrutura tecnológica dedicada, que unirá todos os Estados-membros e que se destinará a partilhar rapidamente dados sobre peças de desinformação, sobre notícias falsas, dados, análises, avaliações”, explicou.

“Implica a criação, nas capitais, de uma figura de ligação, de um ponto focal, um ponto de contacto”, disse, apontando que o ponto de ligação é o Ministério dos Negócios Estrangeiros.

“Esse ponto focal é um ponto de passagem de toda essa informação que irá circular nos dois sentidos. Porque é que é preciso um sistema de alerta rápido? (…) Porque, realmente, os primeiros dias, muitas vezes até as primeiras horas depois do lançamento de uma campanha de desinformação, são importantíssimos para identificar que mecanismos é que foram usados, que técnicas é que são usadas, que vetores é que firam escolhidos”, sublinhou.

Esta informação é partilhada com os responsáveis e o ponto focal vai ser não só o interlocutor do serviço europeu de ação externa, mas também de outros departamentos da administração pública.

Questionado sobre se é possível combater a desinformação, o embaixador foi perentório: “Claro que sim”.

Aliás, “a história do ciberespaço, desde que foi criado no final do século passado, é justamente uma história de grandes desafios que são colocados por esta criatura nova que tem imensas vantagens – que trouxe, evidentemente, um valor acrescentado, gigantesco, à vida das sociedades e das pessoas, da economia e da prosperidade”, mas, “ao mesmo tempo”, traz “problemas terríveis”, apontou.

Estes problemas “geram, por sua vez, a procura de soluções”.

“Por conseguinte, é um problema gravíssimo, mas é um problema que vai gerar as suas soluções. E essas soluções vão, por sua vez, encaminhar o assunto para um equilíbrio”, considerou.

Luís Barreira de Sousa recordou que em 2016, quando assumiu a pasta da ciberdiplomacia, “ainda era anátema falar de regulação do ciberespaço”, porque “ainda prevalecia uma mentalidade antiga que vinha do final do século passado, segundo a qual a Internet (…) é uma área sem Estado e, por conseguinte, é uma área sem lei”, que não se pode regular porque, caso contrário, “destrói-se”.

Depois, atravessou-se o auge da discussão dos ataques a infraestruturas críticas, onde se abordaram “medidas que tinham de ser tomadas para aumentar a resistência” dessas infraestruturas aos ataques.

“Lá está, gerou-se uma solução, isto é, começou-se a investir consideravelmente em proteção das redes e dos sistemas de informação das infraestruturas críticas”, exemplificou.

“Só que depois, muito rapidamente, a partir justamente dos atos eleitorais de 2016, começou-se a falar de ataques, já não às infraestruturas críticas, mas às instituições democráticas, aos partidos (…) e aí, evidentemente, a preocupação ainda foi maior”, continuou.

Questionado sobre se as ‘fake news’ põem em causa a democracia, o embaixador considerou que sim.

“Não há democracia, como é óbvio, sem liberdade de expressão, não há democracia” sem informações verificáveis, “verdadeiras, genuínas e plurais, (…) sem jornalismo independente” e, assim, “a desinformação é um desafio” para todos, disse.

Tendo em conta a sofisticação das ‘fake news’, o embaixador questiona como é possível responder a campanhas de desinformação.

“Censurando as notícias falsas? Censurando os emissores de notícias falsas ou habilitando os utilizadores, os leitores, os consumidores de informação a detetarem eles próprios notícias falsas? Isto é, tem que se encontrar um equilíbrio que preserve a liberdade de expressão”, defendeu.

E a liberdade de expressão, prosseguiu, “é uma das principais colunas do sistema democrático”, como também “a coluna principal do próprio ciberespaço”, que foi construído assente nela, apontou.

Neste contexto, “essa criatura, que é o ciberespaço, que é no fundo uma extensão das sociedades abertas onde nasceu, tem de ser preservada, porque para resolver os problemas não podemos acabar com ela, porque senão acabamos também com o fantástico valor acrescentado que trouxe às nossas vidas”, considerou.

O embaixador para a ciberdiplomacia disse, ainda, acreditar que vai ser encontrado um equilíbrio no futuro.

“Agora fala-se muito de literacia mediática porque é evidentemente um dos capítulos da resposta à desinformação”, afirmou, apontado que tal pode ser aplicado quer ao leitor, utilizador, como também ao jornalista.

A verificação dos factos “é uma componente essencial do trabalho jornalístico independente e, por conseguinte, agora dá-se-lhe uma ênfase maior em consequência da luta contra a desinformação, muito oportuna porque os órgãos de comunicação social clássicos estavam efetivamente a sofrer o impacto do aparecimento e do crescimento dos órgãos de comunicação digitais”, considerou.

“A luta contra a desinformação veio valorizar o jornalismo de investigação e (…) dar-lhe maior importância e relevo nos órgãos de comunicação. (…) Caminha-se para um equilíbrio nesse aspeto, mas também se caminha para um equilíbrio no aspeto do utilizador, porque, na realidade, é preciso ensinar às pessoas como detetar notícias falsas”, concluiu.

 

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