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Dorogie Tovarishchi! *

Não é certamente coincidência que, nestes tempos conturbados em que assistimos a uma brutal e impiedosa invasão da Rússia de Putin à nação livre, soberana e independente chamada Ucrânia, e o PC perdeu o bom-senso e a decência democrática (que realmente nunca teve, a verdadeira face esteve sempre reprimida) na avaliação que fez da crise, tenhamos podido assistir na TV Cine ao extraordinário filme “Caros Camaradas! – Trabalhadores em Luta” do premiado realizador russo Andrey Konchalovskiy.

Contrariamente ao que a Nomenklatura do nosso partido comunista acredita, duvido que haja uma campanha anti-comunista propositadamente orquestrada para destruir o PC. Seria virtualmente impossível a alguém externo ao partido comunista fazer um trabalho tão bem feito para conseguir destruir o partido, como o que a casta dirigente comunista se tem esforçado por fazer desde que decidiu, por um lado, em 2015 aderir à geringonça, traindo as suas raízes ideológicas, e por outro, mais recentemente, com as declarações públicas infelizes de dirigentes destacados sobre o conflito da Ucrânia, e o sentido de voto dos seus representantes nas instâncias europeias, que se negaram a condenar a brutal invasão de Putin.

Já depois de o partido estar reduzido a uma dimensão residual, finalmente aparecem com toda a crueza novamente os traços característicos da ideologia deste nosso PC. Amor e fidelidade cegos à mãe-pátria Rússia, independentemente de quem a governe, anti-americanismo e anti-europeismo primários, ataques à NATO sem condenar as agressões militares dos amigalhaços ideológicos, tiques autoritários e totalmente anti-democráticos em apoio de tudo quanto é ditadura à face da Terra, e uma paixão nostálgica stalinista-soviética que impressiona, mesmo sabendo quem era o sanguinário ditador, e o que fez nos anos que governou, matando milhões de cidadãos soviéticos e ucranianos (só na Ucrânia, calcula-se que o Holodomor, a grande fome, fez mais de 5 milhões de vítimas). Stalin, o ídolo deste nosso PC, é o personagem que um dia disse “a morte de uma pessoa é uma tragédia, a de milhões apenas uma estatística”. “Mai nada”, como se diz no meu Porto…

Se estivéssemos ainda em plena vigência da longa noite “geringoncista” (António Costa ganhou o Euromilhões nas eleições ao ver-se livre dos parceiros incómodos ANTES de Putin invadir a Ucrânia…), acredito que o mencionado filme “Caros Camaradas!”, que saiu ao mercado em 2020, não teria ainda visto a luz do dia na TV em Portugal, apesar de aqui ter chegado em Maio de 2021 ).

O filme, passado em 1962, quase 10 anos após a morte do ditador Stalin, e quase 30 anos antes da queda do Muro de Berlin, que abalou mortalmente o sonho comunista, mostra à saciedade a dificuldade da sociedade russa em livrar-se das atrozes aberrações do sistema soviético/ estalinista /comunista. Obediência cega e acrítica, incompetência na gestão da economia centralizada e estatizada, censura total na comunicação, interesses da casta dirigente sobrepondo-se aos coletivos, e asfixiando os interesses legítimos dos trabalhadores, desrespeito pelas normas constitucionais que eles próprios elaboraram, sempre que (segundo eles) o superior interesse dos bonzos do partido assim o exija, como por exemplo permitir que o exército mate civis russos em greve legítima, quando a Constituição proíbe aos militares dispararem sobre os cidadãos nacionais, etc..

Nikita Khrushchov, no XX Congresso do Partido Comunista Russo, que se celebrou em 1956, fez um célebre discurso de 50 páginas (4 horas….), mantido secreto por muitos anos, em que expôs as maleitas do seu antecessor Stalin, denunciando as deportações, os expurgos, a violência e as limitações à liberdade impostas por ele. Procurem obter o texto na net… Estou a tratar via Brasil, porque o facto é que todas as referências sobre esse período vergonhoso da sociedade soviética, prévia ao Glasnost que matou o comunismo, não encontra referências universitárias ou nos media em Portugal, só no Brasil. Tratem de adivinhar o porquê… É só ver quem (ainda) domina o pensamento e a ideologia nas universidades, e nas redações dos media.

Aquilo que me move ao escrever estas linhas não é tanto fazer uma avaliação histórica daquele conturbado período na União Soviética de então, por muito interessante que seja (e é). Mas apenas fazer um apontamento sobre a aparente (nalguns casos provavelmente real) surpresa que invade os europeus e os americanos com o facto de Putin ter avançado para a invasão da Ucrânia, e por estar a espezinhar as regras da decência, da civilidade, do convívio e respeito por seres humanos, em particular os mais indefesos, como os jovens e os idosos, ao bombardear zonas residenciais, hospitais e lares de idosos.

Putin é um Stalin refinado. E a Rússia não mudou muito desde esses tempos. Sem ser um politólogo tipo Nuno Rogeiro ou Marques Mendes, muito menos estudioso da matéria, sempre me surpreendeu ver os salamaleques contorcionistas e sabujos que os dirigentes europeus faziam sempre que se reuniam com Putin, um homem em quem (como já se viu) não se pode confiar. E, pior ainda, ver que a Europa esteve disponível para se entregar nas mãos deste perigoso lacrau para obter o grosso da sua energia. Foi o inenarrável Macron que se opôs a que um gasoduto de fornecimento energético aos mercados centrais europeus partisse de Sines, obrigando os alemães a optar pela solução russa… E agora é o que vemos, “aqui D’El Rei”…

Putin é o que é, faz o que faz, e vai até onde foi, independentemente das consequências e ameaças, porque é como o escorpião da história do sapo, lembram-se ? Conta-se rápido. Um escorpião pede a um sapo que o leve às costas para atravessar um charco de água. O sapo com medo que o escorpião lhe ferre, começa por recusar, mas o escorpião, persuasivo, convence-o que não tenha medo, porque se ele ferrar e o sapo morrer, ele também morre. A travessia começa e a meio do charco o escorpião ferra mesmo o sapo. O sapo, antes de morrer (e arrastar o escorpião para a morte também), pergunta :”mas então não disseste que não me ias ferrar ? Agora vais morrer também”, ao que o escorpião responde que essa era a sua natureza (ADN), e que nada podia ser feito para mudar o destino…

Nenhum dos atuais (e passados) líderes europeus e americanos entenderam a natureza de Putin desde que ele se perpetuou no poder. E isso selou o destino da Ucrânia, e provavelmente de muitos outros destinos. Esperemos apenas que a natureza de Putin não chegue ao ponto de revelar que o homem, além dos genes de escorpião, tem genes de Nero também, não se importando de levar a sua própria pátria para o Armagedão nuclear.

*Caros Camaradas

José António de Sousa

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