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Denise Aron-Schröpfer: uma atriz francesa e os paradoxos de seu tempo

Denise Aron-Schröpfer é atriz e diretora de teatro. Formada por Jacque Lecoq, grande pedagogo do corpo e do movimento, no Teatro Roy Hart, uma comunidade internacional que trabalha a voz em sete oitavas e com os discípulos de René Simon, famoso na França por seu trabalho rigoroso de interpretação de textos.

Após ter se apresentado como atriz em peças de teatro clássico (Molière, Tchekov) e contemporâneas (Marguerite Duras, Thomas Bernardht e Nelson Rodrigues) foi convidada para trabalhar no cinema com grandes diretores do cinema francês contemporâneo (François Ozon, J.P. Mocky, Amos Gitai).
Paralelamente, sua paixão por transmitir suas experiências e conhecimentos sobre o jogo do ator a levaram a trabalhar na Universidade de Nanterre e na Sorbonne, assim como a dar oficinas por toda a França, no Marrocos e na Tunísia.

Dirigiu, em 2014, a peça Moi, le Mot, de Matéi Visniec , uma espécie de dicionário amoroso e imaginário das palavras em língua francesa.

Em que momento da vida decidiu tornar-se atriz?

Aos 13 anos, ganhei um concurso de dicção na escola recitando um poema de Louis Aragon. Naquele momento soube que queria trabalhar com teatro. Mas eram os anos 60 e meus pais disseram: “termine o colegial”. Na época, eu era muito obediente, fiz o colegial e me formei em literatura na faculdade. Mas o demônio continuava lá. Queria que os textos que estudava intelectualmente passassem por meu corpo e fossem proferidos por minha voz. Foi nessa época que comecei a estudar canto, dança e teatro e foi também quando comecei a atuar no teatro.

O que é necessário para um ator alcançar a plenitude?

Na escola de teatro havia os talentos inatos, mas os professores nos alertavam e afirmavam que, claro, há o talento, mas este só não basta para ter sucesso. É necessário perseverança para não se desencorajar, para não se fechar em uma imagem superficial ou estereotipada. Na minha opinião, um ator chega à plenitude quando passou por um certo número de experiências, quando pode ser ao mesmo tempo leve e profundo, quando consegue sair de um egocentrismo narcisista e se abrir ao mundo e ao outro.O cinema pode ser ainda pior: o ator é contratado para que seja espontâneo, fisicamente maravilhoso e logo em seguida esta indústria o rejeita para escolher um novo rosto. O verdadeiro ator deve trabalhar sua técnica, o leque de suas emoções, ser capaz de evoluir, de continuar sua busca, enfim de se arriscar.

Acredita na técnica da construção do personagem?

Quando se fala em técnica da construção do personagem automaticamente pensamos em Stanislavsky e o método do Actors Studio, criado por Lee Strasberg. Penso que esse trabalho sobre a identificação do ator com seu personagem foi mais do que demonstrado tanto no cinema como no teatro. Basta pensar nos grandes atores norte- americanos como James Dean, Marilyn Monroe, Robert de Niro, etc. Na França, muitas escolas de teatro utilizam o método Stanislavski e nem sabem disso. É uma forma de jogo que privilegia o realismo psicológico. Mas hoje há outras formas de jogos para que o ator trabalhe seu personagem, seja o ritmo, a dança, o clown, o burlesco, etc. Entra-se no personagem abordando o exterior e progressivamente a forma é enriquecida trabalhando o interior. Brecht foi o primeiro a falar de distanciamento.

O teatro tem uma função maior? O que fazer para que o teatro não seja mero entretenimento?

Na França, muitas pessoas temem ir ao teatro e se aborrecerem. Elas vão pouco e quando vão, uma ou duas vezes por ano, é para rir e se divertir. Vão ver comédias (Feydeau ou Labiche) e humoristas que apresentam espetáculos tipo one-man show ou stand-up. Há muitos comediantes bons (Raymond Devos, Coluche, que morreram, Dany Boon, Djamel Debbouze), mas há também alguns péssimos e é uma pena reduzir o teatro à pura diversão. Se pensarmos na origem do teatro na Grécia, vemos que ele tinha uma função política e religiosa. As tragédias e mesmo as comédias eram apresentadas por um coro que se dirigia a toda coletividade, a todos os meios sociais que se reuniam para falar dos problemas da época. O teatro de Shakespeare também era um teatro popular. Na França, há muitas companhias jovens que formaram coletivos e procuram reencontrar o espírito de trupe. Acreditam que o teatro é um engajamento e que devem tratar dos problemas atuais através de diferentes meios: texto, vídeos, marionetes, com o corpo, através da música.

Tem algum critério na escolha das peças e dos papéis?

Pessoalmente, não fiz nem cinema nem teatro comercial. Não foi por vontade, mas sempre tive mais contato com artistas ou autores da vanguarda, experimentais ou que faziam do teatro uma filosofia de vida. É uma pena, porque minha profissão não me permitiu enriquecer. Por outro lado, sinto uma grande atração por todos aqueles que possuem um universo singular , os autores contemporâneos (Lagarce, Koltès, Durringer) ou os diretores de cinema como Gaspard Noé ou François Ozon. Ainda não sou blasée.

Como vê a escravidão da beleza feminina, principalmente das mulheres que trabalham na mídia?

Apesar de vivermos numa época de eterna juventude e da exigência de silhuetas de manequim, jamais apliquei um botox, fiz um “lifting”. Toda semana meu empresário comenta: “Ah! Denise, há muitos papéis para garotas de 16 a 20 anos, mas nada para mulheres da tua idade.” Então elas se escondem nos filmes, nos seriados? Na minha opinião, Catherine Deneuve envelhece muito bem: aceita trabalhar em filmes de novos diretores sem usar excesso de maquiagem, sem truques especiais e irradia uma grande emoção, certamente muito mais do que no seu papel no filme Os Guarda-Chuvas do Amor.

Percebe grandes diferenças entre trabalhar no cinema, no teatro ou na televisão?

Quando comecei só fazia teatro. O mundo do teatro e do cinema eram muito fechados. Os que trabalhavam no cinema diziam que os atores de teatro exageravam na atuação. Comecei por acaso a fazer cinema. Era um filme de Gaspard Noé, A Boca de Jean-Pierre. Ele foi escolhido para ser apresentado no festival de Cannes e foi assim que o pessoal do cinema me conheceu. Hoje, um ator transita facilmente tanto no teatro como no cinema e vice-versa. Mas no teatro os ensaios são longos e o ator tem que apresentar o mesmo frescor a cada apresentação. Subir ao palco todas as noites preenche todos os teus dias. Como dizem “no cinema, ele representou, no teatro ele representa”. No cinema, a filmagem termina e o papel não mais nos pertence.Na televisão, o tempo para as filmagens é bem pequeno e isso não ajuda na qualidade. Mas aí também as coisas evoluem. Participei das filmagens da série televisiva de Agatha Christie e tenho ótimas recordações.

Poderia citar as influências mais significativas que teve desde o início da carreira?

O primeiro diretor de teatro com quem trabalhei: Sacha Pitoeff. Ele dirigiu a peça Seis Personagens à Procura de um Autor, de Pirandello. Trabalhar com esse diretor de uma importante família de teatro russo me impressionou muito, apesar de haver muito humor também. Sempre admirei muito Peter Brook, sua maneira de dirigir, seus textos sobre o teatro e seu respeito à personalidade do ator. Sentia-me tão intimidada por ele que jamais ousei lhe dirigir a palavra, mas ele sempre foi uma fonte de inspiração tanto para meus cursos como para as minha oficinas. Trabalhar com Amos Gitai foi uma experiência inesquecível: é preciso estar presente, estar imediatamente aqui.
Acho que gosto de criadores e diretores que me levam para o seu universo, para a sua loucura e também para a sua paixão.Às vezes, a gente também pode ser influenciada por um pintor ou um cantor com o qual inventamos juntos uma nova aventura artística.

Quais os maiores desafios existentes hoje, na França, para quem quer trabalhar com teatro?

Na França, temos um sistema para os atores que é único na Europa, o dos intermitentes do espetáculo. Resumindo de maneira bem esquemática: se os atores não trabalham, eles podem receber o auxílio desemprego, se provarem que anteriormente trabalharam um determinado número de horas. Este sistema que funciona bem está bem ameaçado no momento, devido à crise econômica e porque a Europa quer alinhar todos os países em um plano de funcionamento uniforme, quer dizer , mais econômico. Portanto, isto é uma ameaça à cultura na França. É preciso lutar para que a cultura continue a ser uma prioridade do governo. Faz-se necessário provar que ela (cultura) é indispensável à educação, à construção do indivíduo, que é uma barreira contra um fechamento em si mesmo, os extremismos e uma sociedade de consumo exacerbada.

Sobre os autores da entrevista: Angelo Mendes Corrêa é mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), professor e jornalista. Itamar Santos é mestre em Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo(USP), professor, ator e jornalista.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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