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“Debaixo de algum céu” de Nuno Camarneiro

Ficha técnica

Título – Debaixo de algum céu

Autor – Nuno Camarneiro

Editora – Leya

Páginas – 200

Opinião

Debaixo de algum céu, galardoado com o prémio Leya de 2012, tem uma premissa que me cativou e me fez querer entrar nela o mais rápido possível (lá estou eu a contrariar-me… manias de leituras cronológicas e querer ler uma obra o mais depressa que pudesse… enfim…). A correspondente sinopse informa o leitor de que a ação se desenrolará durante uma semana, que nesse período de tempo iremos entrar num prédio encostado à praia e nos apartamentos que o compõem e que uma tempestade, que deixa o prédio sem luz, irá quebrar a rotina dos seus habitantes e suspender as suas vidas. Ora, se juntarmos a estes ingredientes suculentos (prémio Leya e sinopse empolgante) um terceiro tão ou mais entusiasmante – saber que do outro lado do computador estarias tu, Paula, a ler a obra ao mesmo tempo que eu – é perfeitamente compreensível que as minhas expectativas estivessem lá bem no alto, mesmo que uma vozinha maléfica (consequência de algumas opiniões que já havia lido algures e que não eram muito favoráveis) me sussurrasse que haveria que refrear essa excitação…

  A primeira coisa que salta à vista na obra é o seu preâmbulo que me conquistou plenamente (não só a mim como também a quem me ofereceu a obra, já que muitas das suas frases estão sublinhadas). A escrita do autor é deliciosamente poética e introspetiva e obrigou-me a elevar ainda mais as já referidas expectativas. Como tal, é normal que não me tenha refreado quando passei para os capítulos – divididos nos oito dias em que se desenrola a ação – e que estivesse com todos os meus sentidos em alerta, absorvendo tudo sobre as personagens, sobre o narrador e acenando de satisfação quando estava perante mais exemplos da qualidade da escrita do autor.

O livro não é longo, tem apenas 200 páginas e tanto eu como a Paula o lemos em pouco tempo. Mesmo assim, conseguimos trocar bastantes impressões e todas elas apontavam para conclusões semelhantes e que agora partilho convosco – não foi uma leitura que nos tenha preenchido e que tenha correspondido às expectativas (pelo menos às minhas). Continuo a afirmar que o estilo e a escrita do autor são muito bons, com traços de poesia e densidade que me agradam sobremaneira. Porém, acho (e creio que a Paula também) que Nuno Camarneiro divagou e filosofou em demasia e que pôs a narrativa “ao serviço” desses pensamentos, dessa filosofia, dando, dessa forma, oportunidades reduzidas para as personagens brilharem e ocuparem o espaço que têm que ocupar numa trama, seja ela de que género for.

Assim sendo e tendo em conta aquilo que referi, compreendem a minha frustração por sentir que fui, de algum modo, enganada pela sinopse e pela importância que dei (outro aspeto a rever, tantos anos de leitora e ainda caio na esparrela dos prémios literários) ao galardão atribuído à obra. Pressupus uma narrativa introspetiva, como tanto gosto, que se fosse desenrolando em crescendo e que a anunciada tempestade tivesse um impacto significativo e que produzisse uma reviravolta na vida das personagens. É certo que esta ocorreu, mas não da maneira “correta”, não como eu esperava que ocorresse e, como tal, custou-me a engolir o desenlace de muitas das personagens e de um espaço do prédio em particular. Considero que aquele que o autor criou para o David, por exemplo, foi apressado e pouco coerente e que a relação entabulada à última hora entre o padre Daniel e um habitante externo ao prédio foi demasiada “automática e mágica” (palavras da Paula), mesmo tendo em conta a época do ano em que acontece. No entanto, admito de bom gosto que me derreti com o desenlace que o autor ofereceu à minha personagem favorita, o velhote Marco Moço (eu e o meu coração que amolece face a histórias de gente sénior) e que esse miminho me reconciliou um pouco com esta leitura que tanto prometia com o seu preâmbulo e que esvaziou como um balão furado.

Apesar de tudo isto, obrigada, Paula, adorei voltar a fazer uma leitura em conjunto contigo e quero repetir a experiência muito em breve. A ver se desta atingimos patamares de excelência, com nota máxima ou próximo dela.

NOTA – 06/10

Esta foi a décima leitura que fiz para a maratona literária Bookbingo – Leituras ao sol 2 – e foi para a categoria Prémio literário português.

Sinopse

Num prédio encostado à praia, homens, mulheres e crianças – vizinhos que se cruzam mas se desconhecem – andam à procura do que lhes falta: um pouco de paz, de música, de calor, de um deus que lhes sirva. Todas as janelas estão viradas para dentro e até o vento parece soprar em quem lá vive. Há uma viúva sozinha com um gato, um homem que se esconde a inventar futuros, o bebé que testa os pais desavindos, o reformado que constrói loucuras na cave, uma família quase quase normal, um padre com uma doença de fé, o apartamento vazio cheio dos que o deixaram. O elevador sobe cansado, a menina chora e os canos estrebucham. É esse o som dos dias, porque não há maneira de o medo se fazer ouvir. 

A semana em que decorre esta história é bruscamente interrompida por uma tempestade que deixa o prédio sem luz e suspende as vidas das personagens – como uma bolha no tempo que permite pensar, rever o passado, perdoar, reagir, ser também mais vizinho. Entre o fim de um ano e o começo de outro, tudo pode realmente acontecer – e, pelo meio, nasce Cristo e salva-se um homem. 

Embora numa cidade de província, e à beira-mar, este prédio fica mesmo ao virar da esquina, talvez o habitemos e não o saibamos. 

Com imagens de extraordinário fulgor a que o autor nos habituou com o seu primeiro romance, Debaixo de Algum Céu retrata de forma límpida e comovente o purgatório que é a vida dos homens e a busca que cada um empreende pela redenção.

in O sabor dos meus livros

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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