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Damão quer demolir capela portuguesa para alargar campo de futebol

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A comunidade católica de Damão, na Índia, está a tentar impedir a demolição de uma capela com mais de 400 anos, ainda local ativo de culto, que o administrador provincial, Praful Patel, quer transformar num campo de futebol. 

“Estamos a preparar-nos para a eventualidade de levarmos o caso até à decisão do Supremo Tribunal em Bombaim”, disse à Lusa o padre Brian Rodrigues, que presta os serviços religiosos na Capela de Nossa Senhora das Angústias, em Damão, alvo dos interesses do administrador do distrito, Praful Kodhabai Pratel, membro do Bharatiya Janata Party (BJP, Partido do Povo Indiano, nacionalista conservador hindu, no poder desde 2014). 

A intenção de aquisição da Capela da Nossa Senhora das Angústias – enquadrada pela lei indiana de Aquisição de Propriedades, Reabilitação e Reinstalação, de 2013 – tem como propósito o alargamento de um campo de futebol contíguo ao monumento e o “embelezamento” do local. 

“A intenção de compra é sustentada por fundamentos muito frágeis. Não há qualquer fundamento legal para adquirir a capela e demoli-la com o propósito de ampliar um pequeno campo de futebol. E também não se percebe o argumento de tudo ser para tornar o lugar mais bonito. O que é que isso significa? Embelezamos um local destruindo uma igreja?”, declarou à Lusa Mário Lopes, o advogado que defende os interesses da Igreja Católica neste processo. 

De acordo com Lopes, “a capela tem mais de 400 anos, tem muito valor arquitetónico, histórico e cultural, e é um local de culto, venerado não apenas pela comunidade católica, mas também pelos não-católicos de Damão, ininterruptamente, desde há mais de quatro séculos”. 

Por outro lado, ainda que a demolição avance, salientou o advogado, o campo de futebol em causa está “rodeado por estradas públicas em todos os quatro lados, não há qualquer possibilidade de ser expandido, e a capela fica situada num dos cantos do campo”.

Na opinião de Noel Gama, empresário e membro da sociedade civil católica local, o interesse na demolição da pequena capela em Damão não deve ser visto isoladamente. “Estão a demolir sistematicamente os nossos locais, o património histórico português com tema cristão – como igrejas e capelas”, afirmou à Lusa.

O pároco da capela tem uma opinião diferente. Brian Rodrigues considera mesmo que decisão da municipalidade “não deve ser vista através de um angulo religioso”.

“Para eles, a igreja está a um canto do campo de futebol. Se eles quiserem alargar o campo, se quiserem fazer um estádio, a capela torna-se um obstáculo”, disse.

Mas o padre está convencido de que nada irá ser feito “nesta altura”. Brian Rodrigues esteve esta semana com a presidente do coletivo de conselheiros do município, a quem entregou uma carta com a objeção da Igreja à aquisição, e de quem recebeu uma “resposta positiva, naturalmente não formal, mas [segundo a qual] a capela não seria tocada”.

“Passou-nos uma mensagem de esperança”, disse o clérigo. “Mas não sabemos”, acrescentou. 

Por isso, Brian Rodrigues e a comunidade católica de Damão estão a “preparar-se” para “entregar cartas de contestação ao presidente do governo provincial e aos conselheiros do município, e depois ao administrador”, seguindo os vários trâmites legais previstos para contestarem a intenção de aquisição da capela pelo poder público. 

“Mas não penso que, nesta altura, toquem na capela. A capela está situada no coração da cidade, junto às muralhas do forte de Damão. Trazer multidões para este lugar tão pequeno provocaria um monte de problemas”, afirmou Brian Rodrigues.

“Há outros lugares onde fazer um estádio, mas o governador não sente amor por deus nem pelos homens, como costumamos dizer. Portanto, não se interessa por estruturas antigas. Este homem não reconhece o valor da capela. Para ele, isto tem que ser feito, e seja o que for que interfira com a sua vontade é para demolir. É assim que faz”, disse o padre.

“Tenho esperança, mas nunca se sabe com este homem”, acrescentou. 

Os procedimentos para a aquisição da capela foram lançados pelo município de Damão em meados de dezembro, mas quem está “por detrás da decisão, sem aparecer na fotografia”, segundo Noel Gama, é Praful Kodhabai Pratel, administrador dos municípios de Dadra e Nagar Haveli e Damão e Diu, fundidos desde 2020.

Pratel, engenheiro civil de formação, foi responsável entre 2010 e 2012 por várias pastas na área da Segurança no estado indiano de Gujarat – liderado então pelo atual primeiro-ministro do país, Narendra Modi. 

Hoje, enquanto administrador, apresenta-se como agente de “uma transformação radical das infraestruturas físicas da região, abrindo o caminho para projetos de classe mundial”, de acordo com o portal da administração de Dadra e Nagar Haveli e Damão e Diu.

Em Damão, o “impeto de transformação radical” de Praful Pratel enfrenta uma pequena capela e uma comunidade católica cada vez mais envelhecida, e o administrador “sabe isso”, sublinha Brian Rodrigues. 

“Somos uma comunidade cada vez mais pequena. Chegámos a ser mais de 3.000 católicos em Damão, estamos hoje reduzidos a uns 400. E o governo sabe isto. Muitas pessoas migraram, o governo está bem consciente de tudo isto”, lamenta o padre.

Por outro lado, dos cerca de 400 católicos que restam, acima de 65 por cento são pessoas idosas. “Nascem poucas crianças. Muitas vezes migram famílias inteiras. Os que ficam em Damão são os mais idosos. Podemos dizer que é uma comunidade moribunda”, descreve o clérigo. 

Resta a lei para defender a capela. Os argumentos da defesa nas cartas que estão a ser enviadas aos decisores políticos assentam nos factos sintetizados por Lopes. A capela é utilizada para oração e adoração há mais de quatro séculos, sem interrupções, e possuiu e alberga valor patrimonial relevante, de acordo com a carta da Igreja de contestação da demolição, que traduz para inglês o significado da palavra “Angústias”.

“As pessoas estão em tristeza e angústia a rezarem por consolo e conforto a Nossa Senhora de Angústia, acreditando que ela fez desta capela a sua morada”, diz a carta. 

A duração das “angústias” nos dois campos da batalha – que tem algumas reminiscências da travada em 1581, no terreno onde se ergueria poucos anos depois a capela em celebração da vitória dos portugueses – não pode por enquanto ser determinada.

Mas, se o processo não for travado, na previsão de Mário Lopes, deverá demorar um ano até chegar ao Supremo de Bombaim, que finalmente decidirá se vence a comunidade católica, que acredita ter “muito boas” hipóteses de manter a capela de pé, ou Praful Patel, o governador que “não sente amor por deus nem pelos homens”.

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