Normalmente escrevo sobre temas de gestão, seguros, sociedade, marketing e talento. Nunca esperei vir a escrever sobre criminalidade, por não ser versado nesta área em termos profissionais, mas o facto é que venho horrorizado do México, onde passei quase um mês, pelas proporções brutais que a criminalidade violenta, em particular os homicídios, tomaram nesse país, tornando-o num dos mais violentos do mundo.
O meu interesse pessoal como cidadão neste tema viu-se reforçado pelas notícias que me iam chegando sobre Portugal em relação a um triplo homicídio ocorrido num país pouco habituado a viver cenas de faroeste, sem ser as que passam no ecrã da TV.
Gostaria pois de dar uma achega ao tema, e contribuir para o pôr na agenda dos nossos responsáveis políticos, porque em Portugal ainda vamos muito a tempo de prevenir, e evitar que venhamos a ter de remediar problemas com a dimensão e gravidade que as polícias de França, Espanha, Holanda, Alemanha, Bélgica etc. já estão a enfrentar.
Assisti no dia 4 de Outubro à tomada de posse da Presidente Cláudia Scheinbaum, que sucedeu a um camarada de partido (Morena), André Manuel Lopez Obrador, ou AMLO como é conhecido no país. AMLO, vá-se lá a saber porquê, professava uma política “fofinha” no combate aos narcotraficantes que hoje, melhor armados até do que o exército (nem sequer se fale da polícia, equipada com armas jurássicas que encravam frequentemente), sem qualquer tipo de escrúpulos, controlam amplas zonas do país (Estados de Sinaloa, Guerrero, Jalisco, etc.).
O lema de AMLO na atuação contra os “narcos” era: “mais abraços e menos balaços” ! E de tanto abraçar narcotraficantes e nada fazer, o sexénio (o Presidente do México é eleito por um período de seis anos, e não pode ser reeleito) de AMLO terminou com uns 300.000 assassinatos, 50.000 por ano de mandato, segundo números que vi publicados na imprensa local. Ou seja, por cada ano de mandato do AMLO morreram de forma violenta quase tantos mexicanos do que soldados americanos na totalidade dos 8 anos de intervenção direta americana na incruenta guerra do Vietnam (58.000).
Cláudia Scheinbaum, uma engenheira nas áreas de energia, de origem judia, que antes tinha sido Chefe de Governo da Cidade do México (uma espécie de Carlos Moedas local), tomou posse a 4 de Outubro. A primeira semana no cargo ainda não tinha acabado, e já levava mais de duas centenas de homicídios na sua conta de mandato, alguns deles de uma crueldade e barbaridade indescritíveis. Acho que nem nos tempos de Gengis Khan se chegava a estes requintes de crueldade.
Para dar um exemplo, o Presidente da Câmara de Chilpancingo, a capital do Estado de Guerrero (mais conhecido pelo que já foi um destino paradisíaco, Acapulco), que também tomou posse no mesmo dia (as eleições foram legislativas e autárquicas), não levava sequer uma semana no cargo quando foi… decapitado ! O corpo apareceu dentro de um carro, e a cabeça cortada foi deixada no tejadilho do mesmo carro, estacionado no centro da cidade, para que não houvesse dúvidas sobre quem manda. Uns dias antes do assassinato do Presidente da Câmara, o Chefe de Segurança que ele tinha escolhido apareceu igualmente morto, e da mesma forma. Não se sabe muito bem quem o fez e porquê (especula-se que o Presidente da Câmara estava de conluio com um dos dois grupos de criminosos e narcotraficantes que disputam o território), e provavelmente nunca se venha a saber. O facto é que a barbárie começa a destruir o tecido social do país, que tem amplas zonas geográficas onde a lei que impera é mesmo a dos balaços, apesar dos carinhosos abraços entre poder e narcos.
Na Europa, até há bem pouco tempo atrás, achávamos que estávamos a bom recato deste tipo de criminalidade com requintes de sadismo e brutalidade. As facilidades que a Europa deu para a entrada incontrolada de cidadãos de países circundantes (Rússia, Albânia, Georgia, Roménia, Turquia etc.) foi aproveitada pelas famosas mafias desses países (a máfia italiana, ao lado destas, parece um grupo de meninos de coro) para se estabelecerem e tomar conta de tudo quanto são negócios ilegais. E, como entre estas mafias há disputas pelo controle de territórios, a criminalidade violenta e os assassinatos também aumentaram.
A maior diferença qualitativa na Europa, em relação à América Latina, é que é raro haver vítimas inocentes entre a população civil não diretamente envolvida nos negócios da droga, e muito menos entre políticos. Por puro pragmatismo por parte dos criminosos, pois os políticos certamente endureceriam a legislação de combate ao crime e reforçariam as polícias, dificultando-lhes a vida nos “negócios”. Se uma Mortágua, um Louçã, uma Leitão, uma Ana Catarina Mendes, ou um familiar deles, fossem vítimas diretas deste tipo de crimes, garantidamente teriam mais cuidado naquilo que propõe em termos de escancarar as portas à imigração sem lei nem regras. Os mafiosos sabem-no, e portanto matam-se e roubam-se essencialmente uns aos outros, o que a polícia agradece.
Sempre fui de opinião que a melhor forma (e a mais inteligente) de resolver um problema, é aprender com quem já o teve de enfrentar. E por isso chamou-me à atenção um artigo que mencionava a criação, em 2002, do Laboratório de Análise da Violência (LAV), no âmbito dos programas de ensino e pesquisa da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) nas áreas de segurança pública, violência / criminalidade, e justiça / direitos humanos.
O LAV acabou de publicar um relatório (cujo resumo executivo “baixei” da net, o relatório completo com cerca de 140 páginas está disponível para profissionais da área), com o sugestivo título (sem titubeios):
“O que funciona para reduzir os homicídios na América Latina e nas Caraíbas – uma revisão sistemática das avaliações de impacto”.
Da autoria dos Professores Ignacio Cano, Emiliano Rojido e Doriam Borges, o propósito deste relatório foi o de identificar os tipos de intervenções que melhor funcionam, não funcionam, são promissoras, contraproducentes, ou não fornecem resultados conclusivos no objetivo de reduzir homicídios.
Exemplos de estratégias que funcionam:
– limitar o porte de armas
– restrição à venda de álcool
– patrulhamento policial em zonas de alta incidência de homicídios
Exemplos de estratégias promissoras:
– limitar a posse de armas
– melhorar o quadro legislativo nas questões de violência de género / feminicidio
– estratégias gerais de patrulhamento policial
– investir em melhorar os sistemas de informação criminal
etc (há mais sugestões )…
Exemplos de estratégias que não aportaram resultado conclusivo:
– criação de esquadras de polícia especificas para a violência de género
– transferência de rendimentos (nota minha: para os “prá-frentex” que acham que rendimentos sociais e subsídios ajudam a combater o crime)
– endurecimento do regime penitenciário
– criação de canais de denúncia anónima
– criação de polícias municipais (nota minha: como se vê no Porto em Lisboa, não servem para nada)
…. (há mais uns quantos pontos)
Exemplos de estratégias que não funcionam:
– entrega voluntária de armas
– prevenção social para grupos vulneráveis
Exemplos de estratégias contraproducentes:
– patrulhamento feito pelo exército
– “decapitação” dos grupos criminosos (nota minha: aquilo que Israel anda a fazer com o Hamas, e os EUA gostam de fazer aos cartéis de narcos)
Em Portugal estamos numa encruzilhada perigosa na área da criminalidade violenta. Discordo frontalmente dos chavões alarmistas de alguma direita primária que associa o aumento da criminalidade violenta à imigração, ou a etnias específicas (que andam por aí há centenas de anos), pois aquilo que se vai lendo e vendo indicia que os portugueses, quando para aí virados, manifestam os mesmos requintes de malvadez e sanha criminosa que qualquer estrangeiro. Mas devemos estar atentos e preparados e, nesse sentido, as nossas polícias fariam bem em estabelecer protocolos de troca de informação e cooperação não só com as polícias da União Europeia, mas também com as polícias dos países que nos estão a fornecer os principais contingentes de imigração, a começar pelo Brasil.
Este é o caminho mais inteligente para garantir que Portugal continua bem colocado no ranking dos países mais seguros do mundo, ranking no qual tem vindo a perder posições por falta de ação positiva e decisiva na prevenção e combate ao crime violento.
José António de Sousa