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Conselhos para quem viaja para os Estados Unidos

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Desde o regresso de Donald Trump à presidência dos EUA aumentou o controlo, endureceram os critérios de entrada e regressaram práticas que muitos consideravam do passado.

Os europeus estão a cancelar, em massa, os seus planos de viagem para os EUA não apenas como forma de protesto silencioso contra as políticas de Trump e Musk, mas também por causa do receio de terem problemas na entrada ou de serem, pura e simplesmente, impedidos de desembarcar. Musk, cujo crescente envolvimento em políticas públicas e tecnologias de vigilância (como o Starlink e plataformas digitais com uso intensivo de IA) tem levantado preocupações quanto à privacidade e liberdade de expressão.

Apesar disso, a CpC – Iniciativa Cidadãos para a Cibersegurança deixa alguns conselhos para aqueles que, por motivos familiares ou profissionais, terão mesmo que, vindos da Europa ou de outro país lusófono, viajar até aos EUA nos próximos tempos (pelo menos enquanto durar a Administração Trump):

No concreto, os nossos conselhos aplicam-se àqueles que estão a planear uma viagem para os EUA com equipamentos electrónicos, sejam eles smartphones, telemóveis “básicos”.

Actualmente, os serviços de fronteira norte-americanos estão mais activos e inquisitivos do que nunca, havendo uma quantidade crescente (desde o regresso de Trump ao poder) de relatos de viajantes que tiveram problemas ou foram, simplesmente, barrados ao desembarcarem dos seus aviões e tentarem entrar nos EUA, quer fossem simples turistas, cientistas convidados para conferências ou até estudantes com autorizações permanentes de residência que regressavam após visitas familiares ao estrangeiro.

Se está a contar entrar nos EUA deve ter em conta que existe uma elevada probabilidade de que irão revistar não somente a sua identificação e bagagem mas também analisar e ler os conteúdos dos seus telemóveis e computadores. Em preparação deve tomar algumas medidas e precauções.

Em primeiro lugar há que reduzir o nível de alarme: nem todos os telemóveis e computadores de quem entra nos EUA são inspeccionados. O The Verge estima que, em 2024, apenas 0.1% dos que entraram nos EUA viram os seus dispositivos inspeccionados pelos agentes de fronteira de forma mais ou menos profunda. Mas é inegável que, desde o regresso de Trump ao poder, aumentaram as histórias de estrangeiros que viram a sua entrada recusada em função da presença de conteúdos “anti-americanos” ou, simplesmente, anti-Trump nos seus dispositivos. A percentagem baixa de 2024 deverá subir em 2025.

Em segundo lugar, há que acrescentar que estas buscas, no quadro jurídico dos EUA, são legais. Com efeito, o Supremo Tribunal dos EUA determinou que as forças de autoridade estão autorizadas a realizar buscas nos telefones e computadores sem o consentimento explícito dos seus proprietários, caso estes pretendam entrar no país.

Em terceiro lugar, este tipo de buscas não é algo radicalmente novo ou exclusivo da era Trump: sempre houve revistas a carteiras e bagagens em caso de “dúvida razoável”. Contudo, hoje em dia, entre esse lote estão os nossos dispositivos, onde – sem exagero – está praticamente toda a nossa vida. Se for um cidadão dos EUA, os agentes de fronteira não podem revistar os dispositivos sem um mandato judicial. O oposto é verdade para estrangeiros.

Como são realizadas estas buscas?

Há um elevado grau de liberdade por parte do agente de fronteira, que pode agir de forma diferente de dia para dia ou de pessoa para pessoa, com base no mesmo nível de suspeita. As inspecções a dispositivos ocorrem geralmente em salas reservadas e dividem-se em dois tipos:

Simples: o dispositivo é colocado em modo avião e o agente observa e regista conteúdos visíveis: palavras-chave (como “Trump”), mensagens SMS, apps abertas, cache e até conteúdos apagados não eliminados permanentemente.

Avançada (ou forense): o dispositivo é ligado a um computador via cabo USB ou SD card, e é feita uma cópia completa através do protocolo ADB. Pode incluir dados de calendário, chamadas, mensagens, contactos, redes Wi-Fi e dados de apps. Em casos mais avançados, tenta-se o rooting do dispositivo para aceder a dados não encriptados. Estas técnicas também permitem capturar e processar imagens de aplicações como Signal, WhatsApp ou Telegram.

Importa sublinhar que, enquanto cidadãos estrangeiros, os viajantes não estão protegidos pelas mesmas garantias constitucionais que os cidadãos dos EUA. Isto significa que, na prática, o princípio da presunção de inocência ou do direito à privacidade pode ser ignorado à entrada do país, sem direito a recurso imediato.

Os resultados destas buscas podem ser imediatos e implicar a recusa de entrada. Foi o caso do cientista francês barrado por SMS críticos à Administração Trump ou da professora universitária deportada por ter imagens do funeral de um líder do Hezbollah na pasta de itens apagados.

Se o agente de imigração for recebido com um “Não”: a entrada nos EUA a cidadãos estrangeiros é, simplesmente, recusada. Se se tratar de um cidadão dos EUA, este poderá ser detido, interrogado e alvo de investigação posterior. Para portadores de green card, a entrada poderá ser negada e o estatuto reavaliado.

Limpe os seus equipamentos

Se precisa mesmo de viajar até aos Estados Unidos
a. Faça backup dos dados e faça factory reset aos dispositivos.
b. Desligue todas as formas de autenticação biométrica (Face ID, impressão digital).
c. Desligue o telemóvel antes de atravessar a fronteira.
d. Se não quiser formatar:
d1. Remova todas as apps, especialmente as de mensagens, cloud e email;
d2. Apague todas as mensagens;
d3. Esvazie o lixo;
d4. Mude o PIN;
d5. Faça o mesmo com laptops.
e. Considere viajar com um telemóvel básico (feature phone), sem apps como WhatsApp ou Facebook.

Quem viajar para os EUA deve ter em conta que o âmbito daquilo que pode levar à recusa de entrada é altamente discricionário e depende fortemente do agente de imigração que encontrar, da sua atitude e disposição nesse dia. Os critérios de ontem não são os de hoje, e não serão provavelmente os de amanhã.

Os dados capturados nestas investigações serão colocados em bases de dados que podem ser analisadas, cruzadas e partilhadas indefinidamente, com impacto sobre amigos, familiares, colegas e até fontes jornalísticas ou clientes de advogados.

Em tempos normais, estas práticas já seriam questionáveis, mas, num contexto em que o discurso político oficial se radicaliza, e onde o simples conteúdo de uma mensagem privada pode implicar a recusa de entrada, talvez seja mesmo tempo de considerar se vale a pena viajar para os EUA.

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