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Confinamento ou eremitismo? A busca do sentido

Hoje, as notícias e comentários sobre religião focam-se quase exclusivamente em dois grupos completamente distintos. Por um lado, as formas quase hilariantes que alguns sacerdotes e pastores usam para fugir ao confinamento e dar o apoio possível aos seus fiéis. E, por outro, o lado quase subversivo de algumas igrejas que recusam as ordens de recolher, que continuam a reunir as suas imensas assembleias e afirmam que tudo está nas mãos de Deus, que é um castigo, e que apenas Ele libertará. Este segundo é, realmente, um problema.

Mas a questão é fundamentalmente outra. Não que uma postura acientífica não seja importante de questionar e de equacionar nos dias de hoje. Mas o mais importante é tentar perceber como está a reagir a este momento único o quadro religioso que não nega nem demoniza a modernidade.

E neste largo grupo, maioritário e, nestes dias, mais silencioso, não se trata apenas de a prática religiosa se adaptar a uma realidade de confinamento em que as pessoas não podem ir à igreja. Numa resposta estrita, as experiências desta natureza já se fazem há dezenas de anos, que o digam os tele-evangelistas dos EUA que o fazem com um sucesso imenso, ou que o digam as imensas missas e orações que nas ultimas semanas passaram a ser transmitidas pelo Facebook.

A questão hoje reside no que a religião pode dar em termos de questionamentos profundos e existenciais. O que as religiões podem oferecer de espiritualidade num quadro onde os desafios da sanidade são tremendos. O que, de sentido falando, a religião pode dar neste momento conturbado.

Durante mutos séculos, a resposta foi quase sempre essa: o castigo. O que de mal acontecia transversalmente a uma sociedade, fosse uma pandemia ou uma guerra, era fruto do abandono ou do castigo de Deus. O sentido era dado assim.

Hoje, com uma sociedade laicizada, com indivíduos mais cultos, mais exigentes para com as instituições religiosas, muitos, até, mais autónomos em termos espirituais, qual o papel das religiões? Estão a cumprir a sua função de apoiar os desfavorecidos, os mais frágeis? Ou estão também de quarentena no que de discurso de valores diz respeito?

Este é um momento único de possibilidades. De um lado, vemos as tradições que se agarram ao pré-moderno a fazer o mesmo jogo de sempre, a demonizar e a dizer que é castigo. Por outro, vemos as instituições tradicionais um pouco sem saber como fazer, e o que fazer, neste momento de exceção. Impossibilitadas de usar as mesmas armas dos movimentos e igrejas que negam as evidências científicas, as tradições mais antigas e enraizadas buscam um lugar numa espiritualidade que não se pode efetivar na comunidade como tem sido norma nos últimos séculos: a reunião em assembleia física, a essência da vida religiosa dos monoteísmos, está fora de questão.

Sim, o desafio é imenso nesta fase de confinamento. A religiosidade e a espiritualidade tem de ser, hoje, solitária, sozinha, quase em abandono. Transformados em eremitas citadinos, não temos ferramentas espirituais que possamos usar nestes dias de interditos imensos.

O que se aguarda das grandes tradições religiosas são essas ferramentas que, sem nos dizer que a culpa é nossa, nos ajudem a reencontrar: Re-encontrar, Re-ligare, Re-lere.

É essa a função da religião nos dias de confinamento. Fazer-nos “re”-tomar o que sempre fora nosso, mas que hoje se encontra ausente.

As Religiões terão de ser a mestra na gestão da ausência.

 

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