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Clara Carvalho: na tribo do teatro

Nascida no Rio de Janeiro, ainda jovem Clara Carvalho foi bailarina e formou-se em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUCRJ). Integrante, desde 1987, do Grupo Tapa, um dos mais destacados e premiados grupos teatrais brasileiros, atuou em cerca de 60 peças. Recebeu os mais importantes prêmios do teatro nacional, dentre eles, Shell, APCA e Mambembe. Paralelamente à carreira de atriz, tem-se destacado como tradutora e diretora teatral.

Em que fase da vida a descoberta do teatro?

Minha primeira descoberta do universo do teatro aconteceu através do balé clássico, que me encantou e que comecei a praticar com onze anos de idade, no Rio de Janeiro, no qual atuei profissionalmente por vários anos. Sempre gostei muito de estar num teatro, sempre me emocionei com a abertura das cortinas e o ritual das experiências artísticas.

Alguma razão especial por ter abandonado a dança e optado pelo teatro?

Sim. Eu me casei e tive dificuldades de conciliar o casamento com a rotina da dança profissional. Continuei dando aulas de dança, mas parei com a atividade mais intensa dos ensaios. Depois, levada por uma colega da dança, acabei fazendo uma substituição num espetáculo infantil e logo me vi envolvida e apaixonada pelo teatro.

A  opção pelo curso de Letras, a que se deveu?

Sempre gostei muito de estudar, de ler e escrever e quis ter uma formação universitária aprofundada. Fiz o curso de Letras na PUC do Rio de Janeiro, sou formada em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. Tenho também o diploma do Nancy III, em literatura e língua francesa da Aliança Francesa.

Como conheceu o grupo Tapa?

Fiz um curso de verão na CAL (Casa de Artes de Laranjeiras), em 1985, que era ministrado pelo Eduardo Tolentino de Araújo, diretor do Grupo Tapa, e ele me convidou para integrar o grupo de estudos do Tapa.  Logo depois,  me convidou para participar de minha primeira montagem com eles, ainda no Rio de Janeiro. Em seguida, o grupo se mudou para São Paulo, com um convite para ocupar o Teatro da Aliança Francesa, em 1986/87.

Ter atuado em cerca de 60 peças teatrais, ao longo de quase quatro décadas, permite que balanço?

Sou muito feliz com fato de poder ter consolidado uma trajetória consistente no teatro. Não foi nem é fácil, mas eu sempre tive muita certeza de que era isso mesmo que eu queria fazer na minha vida. Eu adoro criar um espetáculo, a rotina e os desafios dos ensaios, a convivência com outros atores, diretores e criadores. É um caminho cheio de altos e baixos, sem segurança financeira. É duro. Fazer teatro por tanto tempo é só para quem aguenta mesmo, mas o teatro me trouxe as melhores experiências da minha vida, meus companheiros, amigos. Eu sinto que pertenço a essa tribo. 

O trabalho como tradutora e diretora teatral é tão instigante quanto o de atuar?

Sim, acho que são trabalhos muito instigantes, mas eles foram surgindo a partir da atriz que eu sou. Traduzir é um trabalho solitário, envolvente e eu sempre penso nas palavras e frases na boca dos atores, se aquilo está bom de falar, se está “redondo”, e isso é minha sensibilidade como atriz que vai filtrando. Dirigir é uma experiência diferente. É uma responsabilidade grande coordenar tudo, entender a dramaturgia, o texto, entender a sensibilidade de cada ator, como trazer o melhor de cada um. É emocionante também.

As poucas incursões em televisão e cinema se devem a alguma razão especial?

Acho que não. Sempre estive tão envolvida em peças e ensaios que acabei me envolvendo menos com o universo do audiovisual. Fiz, em 2019, minha primeira participação numa novela, Aventuras de Poliana, no SBT, e adorei. Gravei também, em 2020, em Montevidéu, uma minissérie para a Amazon Prime, que deve ser lançada em 2022. Enfim, foram dois trabalhos recentes que adorei fazer. Também gravei um personagem, no início de 2021, para o seriado O Anjo de Hamburgo, que será lançado em breve. Enfim, sou meio bissexta no cinema e na televisão, mas fiz, recentemente, esses trabalhos. Não tenho nada contra, de jeito nenhum, acho muito bom transitar nesses outros meios também.

Pode nos contar um pouco sobre o mais recente trabalho, a peça Um Picasso, do dramaturgo norte-americano Jeffrey Hatcher?

Esse trabalho ia estrear em março de 2020, estava praticamente pronto quando chegou a pandemia e tudo parou. Quando voltamos e estreamos, em agosto de 2021, foi impressionante sentir como o texto ficou mais potente com a agudização do pensamento fascista, o cancelamento das atividades culturais e o cerceamento e desvalorização dos artistas. É um texto que discute política e arte durante o nazismo. Picasso é submetido a um interrogatório por uma agente cultural nazista que tem como missão queimar uma de suas obras. Só que essa mulher é apaixonada por artes plásticas e conhece profundamente a obra de Picasso. É uma mulher ambígua, sofrida, com uma história que vai revelando aos poucos. É muito interessante. O Eduardo Tolentino tinha montado esse texto em Portugal, alguns anos atrás, e aí surgiu a oportunidade de fazermos aqui também. Mas são montagens bem diferentes, a portuguesa e a nossa. 

O que ainda não fez no teatro e gostaria de realizar?

Eu gostaria muito de fazer uma peça do Eugene O’Neill e uma do Tennessee Williams.

Sobre os autores da entrevista: Angelo Mendes Corrêa é doutorando em Arte e Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), professor e jornalista. Itamar Santos é mestre em Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP), professor, ator e jornalista.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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