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Carnaval nos Açores: o regresso dos bailinhos da Terceira

© Lusa

As danças e bailinhos de Carnaval da ilha Terceira, nos Açores, estão de regresso aos palcos depois de dois anos de paragem forçada pela pandemia de covid-19, vividos com tristeza pela ausência dos espetáculos de teatro popular.

“No primeiro ano em que não houve Carnaval, em 2021, eu liguei para os elementos do bailinho e para outros amigos meus, em casa, a ver bailinhos no ‘Youtube’ e a comer filhós e donuts. Chorei a ver bailinhos”, recorda, em declarações à Lusa, Patrício Vieira, membro do bailinho dos rapazes de Santa Bárbara.

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Ao contrário do que o nome indica, o Carnaval da Terceira não é comemorado com bailes e dança, mas com espetáculos de teatro popular, de drama ou comédia, intercalados com música e coreografias.

Protagonizadas por músicos e atores amadores, as danças percorrem, de forma gratuita, cerca de 30 palcos em toda a ilha, procurando levar gargalhadas e emoções a quem aguarda na plateia, pela madrugada dentro, entre sábado e terça-feira.

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Sem controlo de entradas ou possibilidade de assegurar distâncias, o Carnaval da Terceira foi desaconselhado pelas autoridades de saúde devido à covid-19, em 2021 e 2022.

Este ano, estão previstos 48 grupos, entre danças de pandeiro, danças de espada, bailinhos e comédias, menos 19 do que os registados em 2020, nas vésperas de ter sido declarada a pandemia.

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O grupo dos rapazes de Santa Bárbara é um dos que regressa aos palcos, depois de dois anos em que os sabores tradicionais e os vídeos de outros anos ajudaram a matar as saudades.

“No primeiro ano, conseguimos assumir e aceitar. O ano passado, já foi mais complicado, porque já nos tínhamos juntado e decidido o tema, quando de repente apareceram mais casos. O segundo ano foi pior, porque tudo levava a crer que ia haver Carnaval”, adianta Filipe Soares, músico e cantor.

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O tema ficou guardado um ano na gaveta e chega agora finalmente aos palcos. Durante quase dois meses, no final de um dia de trabalho, juntaram-se, entre três a seis vezes por semana, para os ensaios.

Nenhum dos membros do grupo vive da música ou do teatro. Enfermeiros, armazenistas, técnicos de eletrónica e informática, lavradores, pedreiros, entre muitas outras profissões, transformam-se em artistas durante quatro dias.

Patrício Vieira, animador sociocultural, assistia aos bailinhos de Carnaval em criança e, no dia seguinte, fingia ser o mestre da dança, com um prato de plástico e fazer de pandeiro.

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“A primeira vez que eu vi o bailinho dos rapazes de Santa Bárbara, tinha 13 ou 14 anos e disse: um dia eu tenho de fazer parte deste grupo. A emoção que me fazia sentir, é isso que me faz viver o Carnaval, é tentar passar para os outros aquilo que eu também sentia quando era do público”, explica.

Há quase duas décadas que sobe ao palco, como músico e ator, e desde 2015 que escreve as letras das canções e o texto do teatro, que é rimado.

Este ano, Patrício Vieira confessa que demorou algum tempo a entrar no “ritmo”, mas garante que “o bichinho nunca morreu e nunca morrerá”.

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“O Carnaval mudou. Antigamente era nas ruas, não havia instrumentos de sopro, as mulheres não saíam. Está em constante evolução, mas acho que estes dois anos [de paragem] não vão fazer mal”, aponta.

Diz que a população da ilha ganha “energia para o resto do ano” no Carnaval e que não há pandemia que coloque “água na fervura” de quem o sente verdadeiramente.

“É saber que a gente faz parte de alguma coisa, que pode deixar a nossa marca na cultura terceirense. Isto parece muito poético, mas é muito concreto. Toda a gente tem noção de que o seu papel é importante, desde o mestre à pessoa que acarta o material ou ao condutor do autocarro. Toda a gente gosta de fazer parte disto”, afirma.

Muitos dos elementos do grupo tocam em filarmónicas, grupos folclóricos ou bandas, mas Josué Rocha, empresário agrícola e do imobiliário, sobe aos palcos apenas pelo Carnaval.

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Descobriu o jeito para o teatro nas peças da catequese e numa viagem a São Jorge em que começou a imitar o sotaque dos habitantes daquela ilha.

Quando os amigos de fora da ilha lhe perguntam como é o Carnaval da Terceira, recomenda que passem por uma das muitas salas que abrem portas nesta altura do ano.

“É uma coisa única. Explica-se passando numa sociedade: cheirar a bifana, beber a cerveja, ver o convívio, a animação, ver o gosto com que isto se faz”, descreve.

Josué Rocha não tem dúvidas de que, apesar de dois anos de paragem, o Carnaval da ilha Terceira está “bem vivo e com muita saúde”.

“A gente fala no Carnaval do Rio, no Carnaval de Viena… Isto é completamente diferente, é um teatro popular que é feito por pessoal amador, que vive isto de forma intensa. Não recebe um tostão, faz isto com o coração e gosta deste reboliço”, salienta.

Em quatro dias, o grupo chega a fazer 26 atuações, correndo a ilha de ponta a ponta.

Segundo Filipe Soares, técnico de informática, é impossível responder a todos os convites, mas há sempre uma plateia completa, quando se abre o pano.

“As salas estão sempre cheias, é uma coisa incrível. As pessoas adoram o nosso bailinho e já nos procuram”, revela.

O Carnaval “feito pelo povo e para o povo” tem continuidade assegurada, na opinião do músico.

“Eu acho que não vai morrer, pelo menos tão cedo. Apesar de este ano haver menos bailinhos, acho que não é por aí”, defende.

Pedro Tavares é o mais novo do grupo. Tem 18 anos e sai num bailinho de Carnaval pela primeira vez.

Natural de Santa Bárbara, passava os quatro dias de Entrudo na sociedade filarmónica a assistir aos bailinhos, mas admite que no palco a tradição é vivida de forma diferente.

“Gostava muito de ver o bailinho, mas nunca pensei sequer em sair”, confessa.

Garante que esta será a primeira participação de muitas e que a sua geração não deixará morrer a tradição.

“Cada vez mais vemos jovens a entrar em bailinhos de Carnaval e a assistir. Acho que no futuro vai continuar”, assegura.

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