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Brexit: expectativas impossíveis

Dentro de algumas semanas o governo britânico irá activar o Artigo 50 do Tratado de Lisboa, iniciando assim o processo que levará o Reino Unido (RU) a deixar a UE. Nos dois anos seguintes serão negociados dossiers como a contribuição do RU para o orçamento da UE, as políticas comuns de pescas, agricultura e ciência, ou o envolvimento do RU nos programas europeus de investimento e desenvolvimento regional.

A discussão pública no Reino Unido tem sido arreigada, acicatada pela relutância do executivo em revelar os seus objectivos negociais. Os temas quentes do outro lado do canal são a imigração de cidadãos europeus, a protecção da indústria de serviços financeiros ou o quadro tarifário a aplicar doravante a produtos originários do continente. Se bem que ecoando a discussão da campanha eleitoral, na verdade nada disto se relaciona com a participação do país na UE, i.e. a união política europeia.

O Acordo do Espaço Económico Europeu (EEE) foi ratificado em 1993 pelos então quinze membros da Comunidade Europeia e três estados da Associação Europeia de Livre Comércio (AELC): Noruega, Islândia e Lichtenstein. É este acordo que estabelece a união comercial, criando as quatros liberdades económicas indivisíveis: livre circulação de capitais, mercadorias, serviços e pessoas.

A interdependência destas quatro liberdades tinha sido já esboçado no tratado de Roma de 1957, que iniciou o processo de construcção da UE. Tem como funções garantir a competitividade interna e evitar que certas regiões ganhem vantagem sobre outras por questões geográficas ou fiscais. Permite, por exemplo, que uma empresa portuguesa invista directamente noutro estado membro, que seja mais forte no seu sector. A empresa alarga assim o seu mercado e cria fluxos compensatórios que evitam a concentração de rendimentos numa determinada região geográfica.

Durante a campanha para o referendo à participação na UE, diferentes figuras proeminentes a favor da saída da união prometeram tacitamente o abandono do acordo do EEE. Nesse período foram discutidos quase exclusivamente aspectos da união comercial e muito pouco a união política. Parecer ser no acordo do EEE que originam os anseios do eleitorado britânico, mas a escolha que lhes foi apresentada em Junho não lhe dizia directamente respeito.

Com os paladinos da saída fora de cena, ou remetidos a papéis secundários, o governo do RU tenta agora cumprir com as promessas de abandonar não só a UE mas também o EEE, e ao mesmo tempo evitar as consequências económicas que daí advirão. O resultado é um fluxo contínuo de notícias e fugas de informação com as mais mirabolantes propostas para futuras relações económicas do RU com a UE.

“A participação no mercado comum não é uma opção binária”. A frase foi proferida pela primeira-ministra Theresa May no Parlamento britânico e resume bem a miríade de propostas para uma nova participação no EEE discutidas publicamente. Abandonar unilateralmente a liberdade de circulação de pessoas e manter as outras três, firmar um acordo de participação temporário ou dispensar unilateralmente a jurisdição to Tribunal Europeu são alguns exemplos. Outra promessa importante é a permanência do Reino Unido na união alfandegária da UE. Este é um mecanismo que dispensa a burocracia relacionada com a circulação trans-fronteiriça de mercadorias dentro da UE. Pior ainda, o executivo da Sra. May deixa entender que tal reformulação da relação económica com a UE decorrerá dentro do limite de dois anos imposto pelo Artigo 50 do Tratado de Lisboa.

Estas propostas têm todas uma coisa em comum: carecem de qualquer base legal. O acordo do EEE não tem quaisquer provisões facultativas, os signatários subscreveram todos os seus princípios por inteiro. Ou se está no EEE ou fora dele. Quanto à união alfandegária, não existe nos tratados actuais qualquer mecanismo para a participação de terceiros; nem mesmo os membros da AELC fazem parte.

Se optar por saír do EEE, o Reino Unido terá de negociar um novo acordo de livre comércio com a UE, caso haja interesse em manter de alguma forma as relações comerciais que hoje existem. Esta será uma negociação à margem daquela iniciada pelo Artigo 50 do tratado de Lisboa; requererá um mandato específico da parte da Comissão e posteriormente a aprovação do Parlamento Europeu e das instituição competentes de cada estado membro (tipicamente os Parlamentos nacionais). Mesmo contando com a boa vontade de ambas as partes, tal acordo demorará bem mais que dois anos a alcançar. A título de exemplo, o actual quadro legal de livre comércio entre a Suíça e a UE demorou sete anos a negociar e aprovar.

O governo de Theresa May está a criar expectativas impossíveis de cumprir: negociar em paralelo uma separação política e uma nova relação comercial com a UE que impeça ou limite o impacto económico da saída da união, tudo no espaço de dois anos. Não conseguirá. Ou opta por defraudar as expectativas do eleitorado, deixando a participação do RU no EEE intacta, ou cumpre estritamente com o limite de dois anos, terminando as negociações sem alcançar um acordo de livre comércio, comprometendo assim quase metade das exportações do RU. A última opção poderá ter consequências especialmente graves, uma vez que o RU não está na Organização Mundial de Comércio. Se deixar o EEE, o RU não disporá de qualquer quadro legal para relações comerciais com a UE e a AELC.

Observadores com uma perspectiva mais maquievélica conjecturam que o governo da Sra. May interiorizou já a impossibilidade de conseguir um acordo de livre de comércio dentro do calendário a que se propõe. Prepara-se agora para atribuir as culpas de quaisquer consequências económicas à suposta intransigência da UE.

Quando em 2010 se recusou a fazer parte do Mecanismo Europeu de Estabilidade o RU  entrou em definitivo numa rota divergente à UE. A saída da união política era desde então uma questão de tempo. Mas não era de todo necessário fazê-lo de forma tão emaranhada, e sobretudo pondo em causa o comércio com o continente de forma tão displicente.

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