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Bolinhos e bolinhós

É claro que o mediatismo derrotou a tradição popular de Coimbra nestas alturas do ano. O Halloween está a ganhar a guerra aos Bolinhos e Bolinhós, não porque seja uma festa melhor, mas apenas porque é maior e é promovida pelos vários canais de televisão, mesmo que essa festa tenha origem nos EUA e não faça parte das tradições nacionais.

Às vezes a vida é assim, e mesmo o serviço público de televisão, prefere promover o Halloween e desconhece que existe uma tradição popular, com muito mais sentido, algures numa cidade da província, seja lá o que a província significa.

Há uns anos, à noite, em Coimbra e noutras localidades, bandos de garotos saiam á rua, batendo de porta em porta, cantando e pedindo oferendas. Estavam munidos de caixas de papel ou abóboras, em forma de cara, com uma vela acesa no seu interior.

A última vez que um grupo de putos derrotados veio cantar os Bolinhos e bolinhos, estavam pouco animados, cansados de lutar contra a maré da merda do Halloween que nos polui e americaniza durante uma noite. Talvez este ano já cá não bata nenhum grupo de miúdos à porta a cantarem.

Mais ainda, temo que o puto Lima nunca venha a saber o que são os “bolinhos e bolinhós”, manifestação pagã que se iniciou em Lisboa logo após o terremoto de 1775, mas que se perpetuou em Coimbra e em mais meia dúzia de localidades.

De maneira que ontem estive a ensinar ao Lima que “brevemente será o dia das bruxas, o dia da mamã”. E a mamã não ficará lá muito satisfeita quando o puto lhe deu um beijo de parabéns porque será o dia dela..

Quando eu tinha 10 anos não existia Halloween, e milhares de putos, na cidade de Coimbra e arredores, andavam noite fora, a cantar e a celebrar uma tradição do dia dos mortos.

Bastaram 30 anos de Goucha & Companhia para que os Bolinhos e Bolinhós acabassem, bastaram 30 anos de ausência de um incentivo à cultura popular (que também é cultura), bastaram 30 anos de promoção nas escolas públicas do que é americano, e não de uma tradição com raízes portuguesas. Era uma tradição muito engraçada, bem genuína, mas enfim, perdeu-se, e os putos não deixam de ser felizes por comemorarem efemérides homogéneas.

Acaba por ser um reflexo de uma Revolução Cultural à nossa medida, com brando costumes e com pouco orgulho no que é genuíno, inclusivamente nas pequenas coisas, naquilo que nos distingue.

Nem sequer estou a ser saudosista, apenas a afirmar uma evidência. Talvez dentro em breve estaremos todos a comer peru no dia de Ação de Graças!

A lenga-lenga dos Bolinhos e Bolinhós era assim:

Bolinhos e bolinhós
Para mim e para vós
Para dar aos finados
Que estão mortos, enterrados
À porta daquela cruz
Truz! Truz! Truz!
A senhora que está lá dentro
Assentada num banquinho
Faz favor de se levantar
Para vir dar um tostãozinho.

Se o dono da residência assediada abrisse a porta e desse qualquer coisa, a letra da música continuava da seguinte forma:

Esta casa cheira a broa
Aqui mora gente boa.
Esta casa cheira a vinho
Aqui mora algum santinho.

Caso não abrissem a porta, a letra era um pouco diferente:

Esta casa cheira a alho
Aqui mora um espantalho
Esta casa cheira a unto
Aqui mora algum defunto.

Pedro Guimarães

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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