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Ana Ademar: o teatro que transforma

Conhecemos a atriz Ana Ademar em 2016, em São Paulo, quando integrava o grupo teatral Lendias d’Encantar e encenou a peça No Limite da Dor, baseada no livro homônimo de Ana Aranha e Carlos Ademar, sobre as perseguições políticas e as prisões no governo Salazar.

Nascida em Cacém, formada em Teatro pela Universidade de Évora, vive em Beja e integra atualmente o grupo A Casa – Oficina Os Infantes.

Em que momento da vida a descoberta do teatro?

Dei por mim a pensar nisso há um tempo e não deixa de me surpreender como tudo aconteceu, de uma forma tão aparentemente aleatória. Eu tinha 12 ou 13 anos, quando uma colega de escola me disse que havia um curso de teatro amador e que eu devia ir. Não faço ideia por que ela achou que eu devia ir, nem sei por que fui. O certo é que, para surpresa dos meus pais, acabei por frequentar e terminar um curso que me obrigava a acordar cedo nos fins de semana (acordar cedo sempre foi e continua a ser uma tortura para mim). E esse foi o primeiro de alguns cursos que tirei. A partir daí, integrei o grupo de teatro amador e penso que foi com eles que descobri que gostava de fazer teatro. Depois disso, quando cheguei à altura de ir para a universidade, optei por um curso de formação de actores e, ao mesmo tempo, um curso de Estudos Teatrais, mais teórico. E quanto mais estudava e aprendia, mais me apaixonava pelo teatro. Mais me convencia de que era realmente o que queria fazer e estudar. Na minha infância, apesar de uma atenção especial com as artes, principalmente a escrita, não houve relação com o teatro, nem com a representação. Não sei exatamente de onde veio a curiosidade, nem o que levou aquela minha amiga a achar que eu devia fazer teatro. O certo é que foi o início de tudo e estou-lhe muito grata, porque, afinal, descobri o que me apaixona realmente na vida.

Para Stanislavski , “A arte dramática é a capacidade de representar a vida do espírito humano, em público e em forma estética.” A partir desta ideia, é possível afirmar que não se deve haver limites, ou seja, todo e qualquer tipo de representação é aceitável, contanto que reflita as questões humanas do individuo?

O teatro, como qualquer arte, reflecte as preocupações, as angústias do ser humano, certo? Faz-nos sentir. Para mim, enquanto público, é essencial que, ao assistir a uma obra ou ler um livro, ou ver uma exposição, me emocione, me faça sentir, me transforme de alguma forma. Não posso sair da sala da mesma forma que entrei. Se isso acontece, penso que o espectáculo ou a obra não atingiu o seu objetivo. Não tem de ser uma coisa pesada, mas tem de me emocionar de alguma forma: fazer-me rir, fazer-me sentir qualquer coisa, questionar-me. Se isso não acontece, se assisto a um espectáculo onde até me divirto, mas que assim que passo a porta, me esqueço, então falamos de entretenimento. E actualmente há uma grande confusão entre uma coisa e outra. Pelo menos em Portugal.  Não é suposto a arte servir o entretenimento. Há um objetivo maior nisto de se fazer arte. Confunde-se o conceito de política cultural com o chavão dos romanos: pão e circo.Respondendo mais diretamente à questão, sim, acho que não deve haver limites. Há, naturalmente, questões subjectivas, como o gosto ou o que é que emociona a cada um de nós. Há, depois, uma série de artistas que usam o que eu chamo de estratégia do choque: colocam em palco cenas que vão chocar o público e temo-lo visto cada vez mais, através da nudez, de cenas mais ou menos escatológicas ou onde o sexo ganha uma visibilidade a que não estamos habituados a ver ao vivo, mas estas estratégias não me alimentam enquanto público, entendes? Não me acrescentam nada. Imaginemos que eu acabo de ver um actor a fazer um belíssimo monólogo todo nu, onde expõe o corpo de forma completamente despudorada. Eu posso sair da sala a pensar “uau que coragem tem o actor x para estar nu em frente a uma sala e fazer aquela cena”, mas o que é que realmente me impactou? Foi apenas a coragem de estar nu? É que estar nu não significa que a pessoa se exponha realmente ou que se exponha ao nível que eu acho que um actor se deve expor para criar empatia. Não me interpretem mal, não sou pudica ou puritana. Mas se vou usar a nudez de um actor, esta deve contribuir para a obra, deve ser uma forma de a tornar mais clara e não constituir o ponto fundamental da obra. Não sei se estou a ser clara. A questão fundamental é: o que é que eu levo deste espectáculo para casa? Um monte de actores nus ou uma tirada de texto ou de movimento que ganhou força, precisamente porque o actor estava nu?

Como funcionam as leis de incentivo ao teatro em Portugal?

Bom, estamos em luta neste preciso momento. Existe um organismo do Ministério da Cultura que se chama Direcção Geral das Artes e que é quem distribui verbas para a criação e fomentação do teatro e de outras artes performativas. Através de um concurso nacional, as candidaturas são avaliadas por um júri e se a estrutura concorrente cumpre as directivas e regras, é-lhe atribuída determinada verba. Existem apoios quadrienais, bienais e pontuais (apenas para projectos). Neste momento, com a mudança do governo que reinstaurou o Ministério da Cultura (que o governo anterior tinha feito desaparecer), repensou-se também as formas de apoio e estamos a experimentar as novas regras concursais. No entanto, o orçamento é muito baixo, demasiado baixo para o que é necessário. Pelo menos para recuperar o que se perdeu em termos de estruturas de criação, desde 2011 (altura em que a crise económica começou a ter impacto e quando se decidiu que a cultura – que já tinha um orçamento miserável – devia ver o seu budget cortado).Há anos que em Portugal se fala e se luta pelo 1% do orçamento de estado para a cultura e o mais próximo que estivemos foi 0,7% ou 0,8%, no início dos anos 2000. Há também outras formas de apoio e concursos de outras entidades, mas por norma com valores mais baixos do que os da DGA. E apoios das autarquias (que equivale às prefeituras no Brasil). Mas, por norma, são apoios residuais que quanto muito ajudam a manter uma estrutura a funcionar, mas não a criar.

Sobre os autores da entrevista: Angelo Mendes Corrêa é doutorando em Arte e Educação pela Universidade Estadual paulista (Unesp), mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), professor e jornalista. Itamar Santos é mestre em Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP), professor, ator e jornalista.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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