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Yuri Alves: o cineasta brasileiro luso-moçambicano

© DR

O cineasta lusodescendente Yuri Alves, vencedor de dois prémios Emmy, disse à Lusa que muitas das histórias que conta nos seus filmes são inspiradas em vidas sofridas, como as de imigrantes, tentando convertê-las numa “tristeza bonita”.

Filho de pai português e mãe moçambicana, Yuri Alves nasceu no estado brasileiro do Rio de Janeiro e com 3 anos emigrou com os seus pais para os Estados Unidos da América (EUA), tendo sido criado em Newark.

Desde cedo sentiu o fascínio pelo cinema e pela criação de narrativas, o que o levou a realizar um primeiro documentário, sobre o atentado terrorista de 11 de Setembro de 2001, quando ainda era um jovem estudante.

“Eu diria que fui muito organicamente entrando na criação do cinema e contando histórias. Muitas dessas histórias estão relacionadas com a identidade e com as vidas sofridas que eu via à minha volta. Acho que, naturalmente, muitos dos filmes, dos projetos que tenho feito, são, em parte, uma expressão de encontrar quase uma tristeza bonita e tentar colocar isso dentro dos meus filmes”, disse Yuri Alves, em entrevista à Lusa, em Newark. 

Hoje, com 38 anos e com dois Emmy regionais conquistados, vê os prémios como um reconhecimento de “um esforço extremo”, levado a cabo por uma equipa pequena “em número, mas grande em espírito”.

No sábado passado, o cineasta foi homenageado numa gala de celebração dos dois Emmy alcançados este ano com os filmes “Emerge” e “Grind”, organizada pela produtora DreamPlay Media, em associação com a companhia Plusable e com a orquestra New Jersey Symphony, em Newark.

Em “Grind”, uma curta-metragem sobre Robert Wilmote – e protagonizada pelo próprio -, Yuri Alves conta a história de superação deste refugiado da Libéria, que foi forçado a fugir do seu país devido à guerra e a emigrar para os EUA, onde sucumbiu ao estilo de vida ‘gangster’, tendo acabado por ir preso. Contudo, Wilmote conseguiu reergue-se e tornar-se numa inspiração para muitos jovens e crianças de Newark.

À Lusa, o lusodescendente contou como conheceu Robert Wilmote “na noite” de Newark e como, após alguns minutos de conversa, descobriu que queria contar a história de vida do refugiado africano.

“’Grind’ foi um filme que surgiu de uma forma tão estranha e única e, ao mesmo tempo, tão bonita. Eu conheci o Robert Wilmote num ‘after hours’, há alguns anos. Conheci-o na porta e eu estava a escrever um guião para um filme e ele parecia exatamente o indivíduo que eu tinha imaginado na minha mente. Passei por ele naquela noite longa e começamos a falar. Começámos ali uma amizade. E esse filme que eu queria fazer com ele, acabei por nunca o fazer, mas ao mesmo tempo, ele conta-me a sua história de vida, que é uma história de imigração, uma história quase como do ‘sonho americano’ e de todo aquele capitalismo, de certa forma corrompido”, disse. 

Já na cadeia, Wilmote tem um “renascer espiritual” – explicou o cineasta -, em que se apercebeu que não conseguindo sair da prisão, alcançaria a liberdade dentro da sua própria mente. 

“Ele começa então uma grande jornada física e, quando sai da prisão, torna-se num símbolo positivo. Começa a ajudar todos aqui do bairro. Muitos deles não têm pais, nem mães, e ele torna-se um mentor. E essa jornada continua até ao ponto em que, hoje em dia, Wilmote tem vários ginásios […]. O que é interessante é que eu queria fazer um filme com ele nos primeiros três minutos em que o conheci”, frisou o cineasta.

Yuri Alves revê a vulnerabilidade da imigração na trajetória da sua própria família, advogando que “todos os imigrantes são heróis”, porque são pessoas “de grande coragem”. 

“Sou muito atraído por conflitos internos, não só em documentários, mas também em ficção ou narrativa. Não há exatamente um vilão. É a própria pessoa que é o herói e o vilão da sua própria história, […] esse conflito de identidade, de mantermos a nossa cultura, as nossas tradições, mas ao mesmo tempo progredindo numa sociedade capitalista”, afirmou. 

O cineasta acrescentou: “Eu sei que neste país, os meus pais abdicaram de muito, foram sempre um exemplo muito grande na minha vida. Quando a pessoa imigra, não sabe a língua e está completamente vulnerável. E num país onde se está ilegal, que foi o caso de muitos, a pessoa tem também esse medo, o que muda a maneira como reage ao mundo”. 

Já “Emerge”, uma trilogia de filmes-concerto que conquistou o Emmy na categoria de Artes – Conteúdo de longo formato, mostra a maestrina Xian Zhang a conduzir a orquestra New Jersey Symphony, numa apresentação gravada durante a pandemia de covid-19.

“’Emerge’ foi filmado durante a pandemia. Estávamos todos sensibilizados, com uma tristeza esmagadora, e que acho que isso também nos uniu ainda mais neste projeto. Foi quase uma forma de escapar a tudo o que estava a acontecer no mundo e conseguir expressar isso através da música intemporal de Beethoven, de Mozart, e com a New Jersey Symphony, uma orquestra conhecida mundialmente, com a maestrina lendária Xian Zhang. Esta trilogia mostra o visual da mudança não só da nossa cidade, mas da sociedade em geral”, detalhou Yuri.

Sobre projetos futuros, o cineasta apontou a série “RZR”, um ‘thriller’ de ficção científica que dirigirá em Los Angeles e que começará a ser filmado no próximo mês.

Em fase de pós-produção está também o documentário “Paint the Rust”, que apresenta um retrato da jornada dramática de uma banda de luso-americanos em Newark.

“Sinto que, de certa forma, o ‘Paint the Rust’ é, até agora, o filme mais importante que eu já fiz. Ninguém o viu ainda, mas acredito nisso, porque é realmente aquele tipo de história que só um indivíduo como eu, que viveu esta realidade, podia contar. É uma história muito pessoal, com uma identidade muito única e estamos agora em pós-produção. Eu acho que daqui a dois meses está tudo acabado”, concluiu Yuri Alves.

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