De que está à procura ?

Colunistas

Uma ideia para cientistas desempregados

O frio que se fazia sentir, mesmo com os devidos apetrechos que serviam para a defesa desse mesmo frio, quase se entranhava no corpo, encontrando pelos seus meios o caminho para furar esses mesmos apetrechos, e se instalar nos ossos, fazendo com que os músculos, principalmente os das pernas, se retesassem de tal maneira, que estive a um passo de cancelar a minha caminhada do fim de tarde. Mas não o fiz. Deixei que as pernas teimosamente avançassem por entre o gelo que parecia querer quase paralisá-las. E essa teimosia, ao fim de alguns quilómetros começou a pagar os seus dividendos. O frio não desapareceu, mas os benefícios da caminhada, lenta e gradualmente, foram combatendo esse mesmo frio, fazendo com que a desagradável sensação que sentia ao iniciar a caminhada, se transformasse numa agradável sensação de sentir o ar, frio é certo, mas porque agora contrastava com o calor que o corpo adquiriu com o movimento rápido da caminhada, passou a ser um ar agradável e refrescante, quase com vida até.

O cansaço natural, resultante da longa distância já percorrida, e o reconhecimento do que ainda havia para percorrer, bem como os benefícios naturais da caminhada, o alivio físico, assim como o alívio mental, tornaram esse cansaço numa sensação agradável e de bem estar pessoal, como se, a cada passo dado, a cada metro conquistado ao caminho, uma paz interior se apoderasse de mim, e por essa razão, porque nessa mesma caminhada, comigo vão os meus pensamentos, esses pareceram beneficiar também do esforço, tornando-se mais claros como cristal.

Não é a primeira vez que me acontece esse estado de espírito, que me faz sentir bem comigo mesmo, e que resulta dos benefícios de uma boa e longa caminhada. Especialmente se essa caminhada for feita com o meu melhor, às vezes pior, amigo. Eu mesmo.

Quando isso acontece, quase sempre aproveito para por as ideias em ordem, o que sempre consigo, mau grado a desordem com que elas voltam a ficar, já bem depois da caminhada, do banho que se segue a ela, e às vezes, algum descanso.

É então nessa altura do percurso que muitas vezes escrevo no meu pensamento, muito do que desejaria partilhar com o mundo. É nessa altura que escrevo os meus melhores artigos, as melhores ideias para os meus possíveis livros, as frases que fariam muito sentido, no contexto em que as imagino e as escrevo no meu pensamento, naqueles momentos em que as pernas já caminham por sua própria conta e risco. E depois, no espaço que separa esses escritos no pensamento, enquanto caminho, e o espaço que leva a abrir o computador, sentar-me em frente a ele e começar a escrever tal e qual como o tinha escrito no pensamento, já uma grande percentagem dessa escrita desapareceu, se apagou por completo, como se fosse uma frase escrita na areia e levada pela onda que a l(e)avou.

E mesmo ignorando o banho e o descanso, rituais normais depois da caminhada, o problema não reside no tempo, muito ou pouco, que o espaço entre o momento em que os textos foram escritos no pensamento, e o espaço, tempo, em que foram escritos no computador, levou. O problema reside no ato entre o que se pensa e o ato de exteriorizar, por escrito ou falado, exatamente como foi pensado. Nesse ato, entre o que se pensa, entre o que se quer dizer exatamente da maneira como foi concebido no pensamento, e soltá-lo em palavras faladas ou escritas, perde-se uma grande percentagem. Quantas vezes, pensamos repetidamente algo que queremos dizer a alguém, sabemo-lo de cor e salteado no nosso pensamento, e quando chega o momento de o dizer por palavras, não sai nem metade daquilo que intendíamos dizer, daquilo que estava já gravado no pensamento.

Foi então que numa dessas caminhadas, já depois de até ter escrito quase no seu todo, este mesmo artigo, que em jeito de curiosidade, tomou rumos bem diferentes daqueles que tinha quando o escrevi no pensamento, me ocorreu uma ideia maluca.

E se, algum cientista, com poucas ideias e com pouco que fazer, se lembrasse, e fosse capaz, de inventar um qualquer dispositivo que se pudesse levar preso à cinta, e esse dispositivo fosse capaz de registar, quando assim fosse requerido, esses artigos, ideias para livros, frases e parágrafos inteiros para esses mesmo livros, que são escritos no pensamento. E se esse dispositivo fosse capaz de registar em palavras escritas, os escritos que se escrevem no pensamento, os discursos, as ideias, no fundo as coisas que realmente queríamos dizer e que se perdem no vocabulário falado, ou escrito…!

Comercializado a um preço razoável, eu comprava um.

 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

TÓPICOS

Siga-nos e receba as notícias do BOM DIA