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Um mundo melhor com os mesmos líderes?

Há uma enorme vaga de esperança que o mundo pós-covid-19 vai renascer mais justo e harmonioso, porque os seres humanos terão aprendido as muitas lições desta crise. Este sentimento tão presente nos tempos que correm é um sinal evidente do caminho errado que o mundo estava a seguir, mergulhado em tensões e egoísmos nacionais, caótico e sem rumo, indiferente ao destino das pessoas, dos direitos humanos, da democracia e dos equilíbrios do planeta.

A julgar pelas reações à pandemia, as pessoas pareciam sentir-se como os ratos que seguiam sonambulamente o flautista de Hamelin, ignorando que estavam a ser conduzidos para o abismo, sem força cívica ou política para contrariar um caminho amplamente reconhecido como errado, mas impossível de inverter por esbarrar em líderes medíocres e autocráticos, amigos do confronto e da provocação, hostis à ética na política e aos avisos da ciência.

Daí que cidadãos de todos os quadrantes e com todo o tipo de formação até consigam ver um lado positivo nesta imensa tragédia, que é o de nos confrontar com os erros que têm sido cometidos em nome do povo, do desenvolvimento e do progresso. O preço é dramaticamente pesado, entre milhares de vítimas mortais, milhões de infetados, angústia, medo, culpa e colapso das economias a uma escala nunca vista.

Muitos outros passaram por tragédias semelhantes ao longo da História, só no século passado. Os que viveram a gripe espanhola, os que foram atingidos pelas duas guerras mundiais, os que perderam tudo com o crash da bolsa de Nova Iorque, os que foram vítimas de Estaline e de Hitler, de Pol Pot ou de Mao Tse Tung, os refugiados e migrantes que fogem das guerras e da miséria para morrer às portas da Europa, os que caíram nas mãos do terrorismo fundamentalista, os que foram apanhados pela violência e destruição de catástrofes naturais.

Esta crise mostra claramente que os países são incapazes de resolver sozinhos fenómenos globais, e são muitos os que não conhecem fronteiras, como o clima, a criminalidade, o terrorismo, as desigualdades económicas e sociais, o cibercrime. O mais razoável, por isso, seria aproveitar agora o momento para reconhecer que a melhor resposta a esta pandemia e a outros fenómenos globais é a cooperação e a solidariedade em todos os domínios, sem preconceitos geográficos ou políticos, entre nações, organizações multilaterais e potências.

O grande problema, porém, é que esta pandemia vai tirar centenas de milhares de vidas, devastar as economias e transformar as nossas sociedades, mas os atuais donos do mundo, que pautam muitas das suas ações pela falta de ética e de princípios, muito provavelmente vão continuar a mandar e a usar o seu poder com a mesma perversidade de sempre, apostados em derrotar o multilateralismo e em dividir para reinar.

Se olharmos para o estado do mundo, vemos uma galáxia sombria de líderes em todos os continentes que não inspiram nenhuma confiança e dão um contributo considerável para a desordem mundial. Cada um à sua maneira, com maior ou menor grau, são muitos os que convivem mal com as liberdades e a democracia, com os direitos humanos, com o multilateralismo, com o desenvolvimento sustentável. E, no entanto, são esses personagens que marcam a agenda internacional e condicionam a geopolítica com os seus jogos de poder e dominação.

Independentemente da devastação que a pandemia cause, continua a haver demasiados conflitos sangrentos e cinismo e indiferença perante o destino dos outros. Entre o nacionalismo narcisista de Trump que não quer saber do resto do mundo e a barbárie de Bashar al-Assad, que destruiu o seu povo e o seu país perante a ignominiosa indiferença da comunidade internacional, cabe um vasto leque de lideranças políticas que não auguram nada de bom para o futuro, como se depreende do aumento de regimes autoritários de várias matizes.

A própria União Europeia tem ainda muito trabalho a fazer para ultrapassar os egoísmos nacionais e os preconceitos entre o norte e o sul, entre os antigos e novos Estados-membros

E é precisamente por ser este o estado do mundo que as organizações multilaterais como a ONU e as suas agências como a OMS, a FAO e os refugiados ou a OMC estão enfraquecidas e sem capacidade para desempenhar cabalmente o seu papel para combater os conflitos e a má governação, a pobreza, a carência alimentar, a debilidade dos sistemas de saúde e educação, o drama dos refugiados e dos migrantes, as alterações climáticas.

A própria União Europeia tem ainda muito trabalho a fazer para ultrapassar os egoísmos nacionais e os preconceitos entre o norte e o sul, entre os antigos e novos Estados-membros, não obstante ser, mesmo assim, uma das poucas organizações capazes de trazer uma ética humanista fundamental para o desenvolvimento global.

Sim, o mundo precisa de mudar e as transformações que a pandemia está a causar nas nossas sociedades poderão constituir um momento único para corrigir muitas das distorções dos sistemas políticos, financeiros e de governação global, criando, acima de tudo, uma verdadeira ética da solidariedade e da cooperação entre nações e organizações multilaterais.

 

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