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Tosão de ouro

Já são em mim cruéis instantes
de nada já ser como dantes
sentimentos bifurcados pelos tempos
idos, perdidos, nunca absolvidos.

Acicutam o meu coração
do sangue e das lágrimas que fiz verter
e que eu próprio derramei pelo chão
dos corpos trespassados que ruiram a meus pés
exangues e enxutos, implorando,
e eu justo, como sempre, usei do meu punhal
para me livrar dos cadáveres deliciosos,
das harpias e medusas,
anjos e arcanjos.

Há sangue inocente secando
na ponta dos meus dedos
e nas minhas unhas negras
encharcando o céu de vermelho
e a terra de entranhas.

Das portas do inferno
que entre-abri
o que restou de mim?

Também eu decapitei futuros, esbanjei amanhãs
vãos em empresas esforçadas,
porque cada embate vale
pela coragem da entrega,
não pela vitória efémera.

E eu, que sempre me engalanei
de brasões e grandes razões,
em todas as cruzadas só soube usar
as espadas como um infiel.
Confundi a causa com a consequência
o ardor com a obediência
cega e fútil a mim mesmo.
Há-de perder-me a ditadura
da minha própria utopia,
a quimera da era
que nunca abjuro.

Naveguei mares antigos, dobrei colunas,
percorri costas, peninsulas e cabos,
ancorei em baías desconhecidas
acalmei vulcões e terras em convulsão
com a carícia da minha mão
sobrevivi a naufrágios, furacões, dragões,
mas deixei-me levar, vezes demais,
pelas brisas, ninfas e circes,
apartei-me nesses devaneios
inconstantes e míticos.

Os meus argonautas amotinaram-se
mas eu nunca desisti do adamastor.

Queria, um dia, encontrar
o meu caminho de regresso a casa
hoje navego à vista com Ariadne e Medeia.

Mas ainda há manhãs
em que me sinto perdido
não no labirinto do Minotauro
mas na busca do meu impossível
ouro da tosão.

JLC

07012006

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