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“The Zone of Interest”: a História que não esquece

Para muitos dos críticos presentes em Cannes, em maio de 2023, “The Zone of Interest” é o filme merecedor da Palma de Ouro. Não há dúvida de que o realizador, Jonathan Glazer adapta, de maneira implacável e arrepiante, o romance de Martin Amis ambientado em Auschwitz.

O filme descreve o dia a dia de uma família de nazis que vivem ao lado do campo de concentração, indiferentes aos horrores que ali se vivem. Ao fundo do jardim da família Höss, a morte ouve-se. São gritos humanos e ruídos industriais.

Glazer, cineasta de 58 anos, consegue em “The Zone of Interest” descrever a banalidade do mal em todo o seu horror. Por isso conquistou o Grande Prémio de Cannes, com aquela que é apenas a sua quarta longa metragem, numa carreira iniciada há 23 anos; altura que marcou a primeira participação do britânico no maior festival de cinema do mundo.

Jonathan Glazer é um autor fora da caixa. Antes do festival sabia-se apenas que “The Zone of Interest” era inspirado no romance de Martin Amis. Se isto fosse contado num filme ninguém acreditava, mas Amis morreu no dia em que o filme estreou em Cannes.

Mas voltemos ao ecrã. Quando “The Zone of Interest” começa o que vemos são crianças que brincam num jardim, apesar dos tiros, dos gritos e dos cães que ladram ao longe. Uma mulher rega as plantas enquanto os gritos continuam. Um homem fuma um cigarro enquanto o fumo macabro se eleva no céu.

Esta é a vida banal dos alemães que ali vivem e exploram criados e prisioneiros polacos para gerir a casa. A eles nada falta às refeições. Podem ainda oferecer um magnífico presente de aniversário ao pai ou colecionar maquilhagem e dentes de judeus.

O casal Höss assume aquilo que faz e o que se passa à sua volta. O pai é movido pelo orgulho de servir meticulosamente o Terceiro Reich na sua missão genocida. Para ela, a mãe, o maior orgulho é o de ser quem é: uma alemã privilegiada, cuja vida é um paraíso numa terra em guerra. A senhora Höss comporta-se de forma monstruosa quando, por exemplo, ameaça reduzir a cinzas um dos seus criados só porque não colocou corretamente um prato na mesa.

O Holocausto é um facto histórico repetido inúmeras vezes pelo cinema, mas suscita sempre divisões sobre a forma como pode ser levado ao grande ecrã. Depois de tantos filmes, “The Zone of Interest” demonstra que é possível criar um objeto cinematograficamente original para descrever o horror dos campos de concentração.

Jonathan Glazer escolheu um formalismo tão radical quanto refinado para traduzir o terror dessa empresa da morte.

O cineasta britânico – é sabido – gosta de efetuar pacientemente as suas pesquisas quando prepara um filme; e já tinham passado dez anos desde que a sua última longa metragem tinha sido lançada.

O longo trabalho de Glazer revela-se num drama que testa todos os nossos sentidos, desde os primeiros segundos. O realizador assina uma obra que é intelectual e formalmente reflexiva, cinematograficamente surpreendente e muitíssimo perturbadora.

Raúl Reis

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