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Técnicos de manutenção de aeronaves sofrem com o medo de errar

© DR

Assédio moral e pressão para trabalhar em dias de folga, o medo de errar no desempenho das funções devido à falta de colegas e de organização são algumas das razões que levam os técnicos de manutenção de aeronaves a ter sinais de cansaço e de esgotamento emocional.

As conclusões são do “Inquérito Nacional às Condições de Vida e de Trabalho dos Técnicos de Manutenção de Aeronaves”, levado a cabo pelo Observatório para as Condições de Vida e de Trabalho a pedido do SITEMA – Sindicato dos Técnicos de Manutenção de Aeronaves, que foi apresentado em Lisboa.

O estudo foi feito a nível nacional, entre março e setembro de 2021. Em virtude da crise da TAP e do plano de restruturação em curso entre 2021 e 2022, foram repetidas algumas questões numa segunda fase do inquérito, realizado entre 5 de julho e 6 de setembro de 2022. Além do inquérito, foram, ainda, realizados dois grupos focais.

Dos inquiridos, a maioria trabalha na TAP (88%), seguindo-se a Portugália (6%) e a SATA (6%), sendo que a grande maioria (67%) faz horas extra, 60% confessa não conseguir efetivamente descansar nas folgas e 58% diz não ter tempo para cuidar da família ou deles próprios.

Quanto às horas extra, alguns testemunhos qualitativos revelaram que tal ocorre “por má programação da gestão e das chefias, que trabalham sistematicamente com deficiência de pessoal”.

Os resultados indicam que 64% dos técnicos de manutenção de aeronaves declaram ter dificuldade em dormir, 44% declaram-se emocionalmente exaustos algumas vezes por mês (17%), uma vez por semana (10%), algumas vezes por semana (14%) ou sempre (3%).

Entre a primeira fase do inquérito e a segunda, o número de técnicos de manutenção a reportar serem alvo de assédio moral no trabalho – na maioria dos casos este assédio é praticado pelas hierarquias – passou de 28% para 39% quando contabilizadas as respostas “não sabe/não responde”. A percentagem sobe para 45% quando se retiram da contabilização as respostas “não sabe/não responde”. Além disso, 38% declaram ser pressionados pelas chefias para trabalhar em dias de folga.

“Tal como noutros cenários de intensificação laboral em Portugal, o trabalho extra passou a ser uma norma na gestão. Este modelo de gestão tem impacto na relação entre trabalhadores e destes com as hierarquias, sendo que 62% sentem que o contacto negativo com as hierarquias os afeta”, acrescenta o Observatório para as Condições de Vida e de Trabalho.

O estudo adianta que os TMA exibem “níveis preocupantes de sofrimento no trabalho e esgotamento emocional no seu todo” e que “nem todos os cansados exibem sinais de burnout, mas todos os que estão em burnout têm índices de cansaço muito altos”. Entre as conclusões refere-se que existe uma “relação elevada entre o assédio moral no trabalho e a exaustão emocional”. Um dos fatores que mais preocupa estes profissionais é o congelamento salarial, que afeta 99% dos inquiridos e a possibilidade de encerramento da empresa (98%).

Dos inquiridos, 86% concorda que os TMA deveriam ter um regime especial de reforma e 97% refere que o trabalho que desempenha envolve pressão contínua e stress laboral.

“Em sede de entrevistas qualitativas destacamos o medo de errar e a assunção, por parte dos próprios técnicos de manutenção, de que, com estas condições de trabalho, podem cometer-se erros que podem colocar em risco a segurança dos passageiros”, adiantam os investigadores.

Para Raquel Varela, historiadora e investigadora responsável pelo estudo, “as conclusões mostram uma degradação das condições destes profissionais que está já a afetar sua a saúde a todos os níveis”.

“O congelamento de salários, a redução de pessoal e os níveis de assédio moral que reportamos são sintomáticos de um ambiente de trabalho muitas vezes tóxico, num setor que só por si já está exposto a níveis de stress elevados tendo em conta que os TMA são uma das garantias da segurança na aviação”, acrescenta.

Já Jorge Alves, presidente do SITEMA, sublinhou que “o pedido deste estudo foi feito partindo do pressuposto de que havia um sentimento geral de desgaste dos TMA”.

“É importante alertar as principais entidades empregadoras para o facto de os trabalhadores estarem cansados e que é preciso agir já para evitar consequências piores. Para o SITEMA, a questão deve também ser tratada a montante e não a jusante, isto é, deve haver um investimento a médio prazo na formação de novos TMA, que em média demoram 10 anos a qualificarem-se aptos para a função, de forma a aumentar a captação de novos talentos nas universidades e que esta categoria profissional seja reconhecida e valorizada, não só na aviação civil, mas pela sociedade em geral.”

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