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Stonehenge: Cinco mil anos depois… a aventura

Sempre achei que a ignorância deveria ser punida por lei.

Em Inglaterra diz-se que “ignorance is bliss”, que quer dizer mais ou menos “ignorância é felicidade.”

Em muitos casos é. Muitas vezes ter a capacidade de ignorar elimina sofrimento e preocupações e por consequência traz felicidade. No entanto, na minha opinião o “ignorante” representa um perigo para a sociedade uma vez que, como resultado da sua falta de conhecimento e inteligência pode agir de maneira perigosa porque ignora consequências. A ignorância pode matar.

Fui consultar o dicionário Priberam da língua Portuguesa. Define o “ignorante” como,

-Que ignora.

-Que não tem instrução.

-O que não sabe bastante da sua profissão.

-Que ou quem não tem conhecimento ou formação suficientes.

Vistas as coisas por esta definição, a minha teoria de que o “ignorante” deveria ser punido por lei, além de estar injustamente errada, é, tenho que o admitir, um pouco embaraçosa.

Não se pode culpar ou punir alguém que tem pouca instrução, ou que não tem conhecimento ou formação suficientes. São muitos os fatores que podem contribuir para essa realidade. Por isso, e em minha defesa, a minha definição de “ignorante”, a tudo o que o dicionário Priberam da língua Portuguesa define, eu acrescento, “aquele que se recusa a ter uma mente aberta a outras infinitas possibilidades.”

Sendo assim, a minha teoria está certa. O “ignorante” que se recusa a ouvir, discutir, aceitar ou argumentar outras possibilidades para os mais variados temas e situações, deveria ser punido por lei. E nesta perspetiva podemos incluir alguém com bastante instrução escolar, mas de mente fechada.

Tudo isto para dizer que o comentário de J. J. (que de tão ignorante o seu conteúdo não merece mais do que apenas as iniciais do seu nome, mas também porque por razões legais, a estupidez ao ser denunciada, acredite-se ou não, pode ser considerada uma ofensa) é o exemplo do que se acaba de afirmar. O comentário acompanhou uma gargalhada um pouco ruidosa, cínica e irritante.

“Duas horas de carro para ir ver um monte de pedras em cima umas das outras? Para isso vejo as que tenho no jardim de trás da minha casa pela janela do meu quarto…”

J. J. representa o típico “ignorante” que deveria ser punido por lei, não porque tem pouca instrução, conhecimento e formação, mas porque tem uma mente fechada, uma mente que não vê mais do que os olhos podem enxergar.

Encontrámo-nos no Swan Hotel, em Leighton Buzzard, para o pequeno almoço. O encontro estava marcado para as nove da manhã, e desta vez, eu consegui ser mais pontual do que a pontualidade Britânica assim o exige. Cheguei mais cedo cerca de dez minutos. Lubus Sima chegou um pouco depois, também ele à frente da pontualidade Britânica, e Zoltán Szentkirályi apareceu muito descontraidamente cerca de dez a quinze minutos para lá das nove, a hora que havíamos combinado.

A escolha do pequeno almoço foi simples e rápida. Fomos os três para o tradicional “english breakfast”. Porque não? Estamos em Inglaterra, e no meu caso, uma vez por outra começar o dia com feijão, tomate e cogumelo assado, bacon, ovo estrelado, hash brown e pão tostado, faz parte da aventura planeada para o dia.

Depois de uma animada conversa durante o pequeno almoço com os meus amigos, Lubus, da República Checa, e Zoltán da Hungria, arrancamos para Stonehenge no condado de Wiltshire.

Demorou a viagem pouco mais de duas horas. Isto porque tivemos que ter em conta o sempre intenso tráfego na M25, a autoestrada que faz um círculo em redor de Londres, e uma paragem a meio de caminho pois como português que sou, a falta de um verdadeiro café não é uma boa maneira de começar o dia.

Finalmente chegamos a Stonehenge.

O monumento de Stonehenge fica numa zona tranquila, no meio de um monte desbravado onde a atmosfera que circunda o lugar espalha uma sensação de mistério e ao mesmo tempo curiosidade pelo que o monumento representa, que para uma mente aberta os olhos são apenas o ponto de partida para uma aventura com pelo menos cinco mil anos de uma estonteante viagem pelo passado.

Acredita-se que a construção deste monumento foi um projeto de cerca de mil e quinhentos anos.

Algumas destas pedras viajaram desde o País de Gales, cerca de 180 milhas (288Km) numa época em que apesar de ter sido já inventada a roda, (presume-se que a roda teria sido inventada na Ásia, Mesopotâmia talvez, há cerca de 6000 anos) não havia chegado ainda a esta parte do planeta. As pedras foram postas em grandes troncos de madeira rolando sobre eles, num trabalho árduo e coordenado que exigiu com certeza um enorme esforço de uma vasta equipa de homens.

Recentemente a universidade de Newcastle avançou com uma teoria baseada em vários estudos feitos ao longo dos anos, em que afirma que uma das técnicas para fazer rolar as pedras pelos troncos com maior facilidade, foi untá-las com gordura de carne de porco, uma vez que foram encontrados vestígios da mesma em muitos dos utensílios usados na época. Os trabalhadores envolvidos neste projeto obviamente que tinham de ser alimentados e a carne de porco era um desses alimentos, aproveitando-se a gordura como auxílio a uma tecnologia um pouco remota, mas eficaz.

O monumento foi construído entre o período Neolítico e a idade do Bronze, e são várias as teorias acerca do objetivo para a construção do mesmo e da sua utilização. Acredita-se que nos princípios era usado como uma espécie de cemitério e local de culto e celebração da morte, e outras teorias estão relacionadas com o alinhamento estratégico e preciso das pedras com o sol e as estrelas. A maior das pedras de Stonehenge aponta para o pôr-do-sol de verão.

Sem dúvida que Stonehenge é uma das mais sofisticadas, se não a mais sofisticada arquitetura pré-histórica de pedras em círculo, do mundo.

Diz-se que em tempos ainda bem recentes era possível visitar o monumento e inclusive tocar nas pedras e caminhar em redor delas. Dado que a nossa espécie tem tanto de maravilhoso como de maléfico, hoje em dia não se chega perto do monumento sem primeiro pagar um bilhete, e já não é possível tocar mais nas pedras pois existe um perímetro de segurança em redor delas a que ninguém tem acesso, a não ser que esteja previamente autorizado a fazê-lo. Anos de vandalismo, roubo (algumas das pedras desapareceram do local) e falta de respeito pelo que o monumento representa, foram o resultado dessa tomada de atitude.

Desde a entrada de Stonehenge até chegar perto das pedras são cerca de 3 km, que podem ser feitos no autocarro que sai de dez em dez minutos para fazer essa viagem, ou, para quem gosta de caminhar como eu, a pé.

Logo a seguir à entrada tem o “visitors centre”, uma espécie de pequeno museu que explica a história de Stonehenge, e onde estão expostos vários objetos, utensílios, referentes à época.

À saída do centro uma réplica de uma pequena aldeia com casas dessa época. Dentro, expostos muitos dos utensílios usados nessa altura no dia a dia desses nossos antepassados.

A gargalhada cínica e ruidosa do J. J. de facto não tem outra razão de ser a não ser expor de maneira ridícula a sua ignorância.

Não são duas horas e pico de carro para ver um monte de pedras em cima umas das outras. É uma aventura de mais de cinco mil anos de história, uma lição acerca da nossa espécie e dos propósitos de vida, que apesar de tudo continuam a não ser muito claros, mas que, no meu caso por exemplo, envolvido neste ambiente e no que ele representa, tanto em termos de tempo-distância, progressão em muitos casos e regressão noutros, não é só o que os meus olhos alcançam, mas sim o que vai para lá disso.

No visitors centre tem em exposição um esqueleto humano e ao lado uma mostra de como ele se pareceria de acordo com esse mesmo esqueleto e a sua formação. Este homem teria vivido na área há cerca de cinco mil anos. Segundo as analises químicas feitas aos dentes deste homem ele teria falecido entre os 25 anos de idade e os 40. Tinha cerca de 1.72m de altura e pesava cerca de 70 kg (eu há cerca de 20 anos).

Fiquei impressionado com este esqueleto e a mostra da sua possível figura. Mas fiquei impressionado porque a imagem me despertou uma serie de pensamentos e imaginação, que fosse eu da mesma estirpe de José Saramago e poderia iniciar um livro a partir daí.

No entanto, fico por apenas pouco mais de um parágrafo.

De tudo o que imaginei acerca da vida deste homem desconhecido, que habitou o planeta há cerca de cinco mil anos, que palmilhou a mesma área onde eu estava naquele momento, com uma distância de milhares de noites e manhãs e tempestades e frio e calor, ocorreu-me um pensamento talvez um pouco fora do comum. Desde o tempo em que aquele homem viveu no mesmo planeta onde vivo eu agora, até há pelo menos cerca de 54 anos, eu não existia, e por muito difícil que seja de explicar esta louca teoria, tão difícil como a entender, essa minha não existência nunca me incomodou. Acredito numa continuação da vida depois da morte, em que termos, não faço ideia, mas no caso de isso ser apenas uma fé infundada, se a minha não existência entre o tempo que este homem viveu no planeta, usando-o apenas como ponto de referência, até ao momento em que eu nasci, nunca me incomodou simplesmente porque eu não existia, se tudo acabar no momento em que eu fechar os olhos para não mais os abrir, porque me haveria de importar com isso?

Eu sei, é uma maneira um pouco macabra de concluir este texto. Mas teremos que admitir que para vos falar da minha viagem a Stonehenge, o texto termina da mesma maneira estranha com que começou.

Obrigados pela paciência, e por favor vejam mais do que os olhos podem enxergar…

 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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