Quando falamos do conceito israelo-palestiniano no atual contexto de guerra sem quartel que decorre na Faixa de Gaza, mas também na Cisjordânia, uma das coisas mais chocantes é ver tanta gente discutir aquela que pode ser considerada a maior tragédia do século XXI como se estivesse a falar de um jogo de futebol, como se as mortes diárias, a destruição e a violação sistemática do direito internacional fossem meros detalhes sem importância.
Quando se aceita como normal ver crianças, mulheres e homens indefesos destroçados por bombas que caem na calada da noite, que haja pessoas a morrer à fome, à sede e por falta de medicamentos e de assistência médica, então somos todos nós que abdicamos da empatia e aceitamos despojar-nos da nossa humanidade. A barbárie nunca pode ter qualquer justificação, venha ela de onde vier.
Nesta guerra sem freios conduzida por um governo extremista, já não há leis, tratados ou convenções internacionais que estejam de pé.
Nunca as Nações Unidas foram tão maltratadas como por este Governo extremista liderado pelo Netanyahu. E isto não é aceitável, porque obrigar a cumprir o direito internacional é a única forma de proteger os povos das injustiças, da tirania, do arbítrio.
Não se pode compreender nem julgar este conflito sem olhar para a história. E a verdade é que ainda Israel não era nação e os palestinianos já começavam a perder território. Começaram a perder logo com o Plano de Partilha das Nações Unidas, e voltaram a perder a seguir à criação do Estado de Israel, com a complacência da comunidade internacional. Gaza está destruída e com um futuro muito incerto e a Cisjordânia está cravejada de colonatos ilegais que destroem a independência e liberdade dos palestinianos, tornando cada vez mais difícil a solução dos dois Estados, numa terra onde uns e outros sempre viveram e merecem viver em paz e segurança, lado a lado.
Em Portugal sempre houve consenso sobre a necessidade de criação do Estado da Palestina, embora preso a uma posição cómoda mais alinhada com a União Europeia quanto ao reconhecimento. Mas agora tornou-se urgente fazê-lo, porque há um contexto dramaticamente diferente, marcado por uma tragédia que diariamente se repete na Faixa de Gaza, enquanto na Cisjordânia a guerra prossegue com a violência dos colonos contra palestinianos, a expulsão das suas terras, assassinatos e detenções. Como
defendeu o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, o reconhecimento imediato da Palestina é uma forma de acabar com a tragédia sem fim que se abate sobre os palestinianos. Porque já se percebeu que nunca haverá paz nem segurança enquanto a Palestina não for reconhecida. E quanto mais o tempo passar, mais inviável fica a possibilidade de os palestinianos virem a ter a sua terra.
O anterior Governo do PS planeava reconhecer o Estado da Palestina em conjunto com os países que recentemente deram esse passo, a Espanha, Irlanda, Noruega e Eslovénia, porque se tornou óbvio que não adianta esperar por uma posição comum da União Europeia. É isso que se exprime na resolução aprovada em janeiro deste ano na Assembleia da República.
Por isso, não avançar agora como estava previsto representa uma inversão no caminho que estava a ser feito. No conflito israelo-palestiniano, o tempo é a chave para tudo, para o que de bom pode vir e para o que de pior pode ainda acontecer.
É por isso que este é o momento para ir mais longe e forçar o reconhecimento do Estado da Palestina, como forma de lhe dar estrutura e estatura para negociar o seu futuro com Israel de forma mais igual. Mesmo sem estarem reunidos os requisitos para ser um Estado, o reconhecimento é um ato político poderoso, dá força jurídica e exprime uma vontade de paz.
O reconhecimento do Estado da Palestina é, por isso, uma forma de acabar com uma tragédia, de dar futuro a um povo martirizado, expulso da sua terra, privado da sua liberdade, espezinhado na sua dignidade.