Quem anda atento à comunicação social, ou se limita a passear pelas redes sociais, fica com a ideia que os partidos estão sempre todos zangados entre si. Que não se entendem, que cada um acusa os outros das piores patifarias. Mas não se preocupe, porque quando se trata de assuntos importantes os partidos unem-se. Como por exemplo, para aumentar as suas próprias ajudas de custo com retroativos a contar desde Agosto de 2023. Uma decisão tomada por unanimidade, do PCP ao Chega, todos de acordo. Como pode ver, quando é importante para o bolso dos deputados, a união faz a força.
No entanto, e antes de prosseguir, eu gostaria de deixar claro que não tenho qualquer problema com o aumento dos salários e regalias dos deputados. Que fique bem entendido, que na minha opinião os deputados são mal pagos. O que me faz espécie não é o aumento em sim, mas a forma. Por unanimidade, na última sessão parlamentar e com efeitos retroativos. Não querem cá populismos, mas depois têm este tipo de comportamentos. Por isso volto a repetir, não é a substância, mas sim a forma que está errada.
Dir-me-ão que nenhum partido se arrisca a perder votos, colocando no seu programa eleitoral o aumento do salário de deputado. Eu respondo que com estas manobras de bastidores, já perderam votos antes mesmo de começar a campanha. Se os partidos não são capazes de explicar um aumento de salário, ou se suspeitam de que os eleitores não os vão compreender, então para que queremos uma democracia ? Será certamente idealismo da minha parte, mas acredito que os partidos devem tratar os eleitores com decência e honestidade. O contrário, isso sim é alimentar a fogueira do populismo. É verdade que tem estado frio, mas eu por mim dispenso este tipo de aquecimento.
Do mal o menos, esta novela de três tostões tem a vantagem de colocar o foco no problema da remuneração dos deputados. Quanto, afinal, é que deve ganhar um deputado ? Os mais cínicos dirão, umas cacetadas no lombo. Cinismos à parte, penso mesmo que os deputados portugueses, e regra geral os cargos públicos, são mal pagos. O Vice-Presidente do Parlamento recebe quase 5 mil euros brutos, alto para Portugal, mas apenas o salário médio na Alemanha. Tendo em conta o poder e a responsabilidade de um cargo público, é pouco. Especialmente sabendo que é por um período limitado e que prejudica quem tem carreira fora política. Mas contra-argumentam que isso não é um problema, quem vai para a política perde salário mas ganha contactos. Então basicamente estão a defender a corrupção como forma de pagar os baixos salários na política. E estamos de volta à casa de partida: não querem cá populismos, mas também não querem os custos da democracia. Sol na eira, e chuva no nabal, não é ?
Nada disto surpreende, visto que os salários em Portugal são baixos. E por isso mesmo é que é importante discutir o salário dos deputados, e os dos outros cargos eleitos. Porque ilustra os baixos salários que se pagam em Portugal, e que é um problema difícil de se resolver. Até agora, a solução tem sido subir o salário mínimo por decreto. É certo que beneficia quem recebe o salário mínimo, e isso é positivo. Mas teve também a consequência de aumentar a proporção de pessoas a ganharem o salário mínimo, dois terços da população. Dito de outra forma, cada aumento do salário mínimo destapa cada vez mais a pobreza da economia portuguesa.
No fundo, Portugal é como a história da família que era tão pobre, mas tão pobre, mas mesmo tão pobre que até o jardineiro era pobre, o mordomo era pobre, o chofer era pobre, a cozinheira era pobre, a criada era pobre, etc. E só quem escapou à pobreza foram os filhos, que emigraram assim que acabaram os estudos.
Nelson Gonçalves