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O preço de uma vida

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Entre discursos patéticos, quer de Bolsonaro, quer de Trump, e alguns artigos escritos por académicos de renome, a questão da crise económica criada pela pandemia do Covid19 tem ganhado alguns traços de debate fundamental que nos interessa fazer. E digo-o desta forma porque, sem o debate, por mais que nos pareça que temos já pronta uma resposta inquestionável, a situação que se parece avizinhar é de tal forma desconcertante face ao que tínhamos antes, que muito vai mesmo ter de ser equacionado.

Como todos estamos a ver, o turismo desapareceu, grande parte do comércio foi encerrado, muitas fábricas estão sem produção ou com ela muito reduzida, todo o universo da cultura e dos espetáculos está suspenso e, em todos estes campos, o desemprego é imenso e as implicações na vida social e económica dos cidadãos são enormes, muitas irrecuperáveis ou de retoma muito lenta.

Sim, o modelo económico que vivemos até há pouco pode estar em causa ou, pelo menos, ter de ser adaptado a uma realidade de muito maior pobreza. Seremos muito mais pobres, com desigualdades maiores e, acima de tudo, com uma parte de nós desempregados, com rendimentos muito diminuídos.

O desafio dos Estados é este: depois de resolvida a pandemia, o “apanhar os cacos” será mais dramático que, quem sabe, a própria pandemias em si. Que desalojados, que despedidos, que fome, que doença e que morte teremos após-Covid19?

É com base neste segundo drama que se ouvem propostas de “abrir a economia” rapidamente, procurando não ter implicações maiores à posteriori. Mas, de facto, como podemos colocar esta questão? É possível retomar parte da actividade económica para não ter um desabar total da máquina de produção/consumo e manter o confinamento dos mais frágeis? Ou, como já ouvimos, o sacrifício dos mais idosos é de ter em conta se necessário?

Temos alguém que seja descartável? Qual o preço de um idoso? Qual o risco que estamos dispostos a correr para ter um confinamento de apenas parte da população, regressando a restante às actividades normais?

Uma vida não tem preço algum, por mais idoso, doente ou sozinho que esteja a pessoa. Mesmo a chamada imunidade de grupo, defendida pelo governo holandês, implica que alguns fiquem para trás, faleçam para que isso aconteça.

Onde estamos na dignidade da pessoa humana quando equacionamos possibilidades que salvem a economia perante a morte? Até onde conseguiremos levar a solidez dos nossos valores humanistas?

 

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