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O mistério das varandas russas: brisa fatal na ditadura de Putin

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A Rússia é um país vasto, cheio de história, cultura e, aparentemente, varandas extremamente perigosas. Nos últimos anos, um padrão bizarro emergiu: críticos do regime de Vladimir Putin, jornalistas incómodos e oligarcas com crises de consciência têm demonstrado uma estranha tendência para voos não programados a partir de varandas, janelas de hotel e até escadarias traiçoeiras. Coincidência? Acidente? Ou uma brisa siberiana seletiva que sopra apenas sobre dissidentes?

Se este artigo fosse um guião de cinema, seria uma mistura entre tragédia shakespeariana e comédia de humor negro, uma espécie de Dr. Strangelove passado nos arranha-céus de Moscovo. Mas, infelizmente, não se trata de ficção. O “síndrome da varanda russa” tem ceifado vidas de forma alarmante, tornando-se quase uma piada de mau gosto nas redes sociais, mas uma piada que, como tudo na Rússia de Putin, tem consequências fatais.

As estatísticas da gravidade (literal e figurada)

Vamos aos factos: a lista de vítimas é longa e perturbadoramente consistente. Jornalistas como Maxim Borodin, que investigava os mercenários do grupo Wagner, “caiu” do seu apartamento em 2018. O cientista Alexander Kagansky, ligado ao desenvolvimento de vacinas, “caiu” de um 14º andar em 2020, convenientemente com uma facada no corpo – porque, claro, quem nunca tropeçou numa faca antes de dar um mortal para trás?

Os oligarcas desavindos com o Kremlin não têm tido melhor sorte. Ravil Maganov, presidente da Lukoil, uma das poucas empresas russas a criticar a invasão da Ucrânia, “caiu” do sexto andar de um hospital em Moscovo. Curiosamente, antes da sua morte, a empresa tinha declarado publicamente que era contra a guerra – um erro fatal, ao que parece.

E a lista continua, desde banqueiros a ex-oficiais da FSB, todos vítimas desta misteriosa epidemia de gravidade seletiva.

As teorias: gatos, vodka e física aplicada

Face a tantas “quedas”, a pergunta impõe-se: porquê as varandas? A explicação oficial varia entre o clássico “estava deprimido” (o argumento preferido do Kremlin) e a eterna desculpa russa – a vodka. Nada como atribuir os misteriosos acidentes à tendência russa para misturar bebidas alcoólicas fortes com falta de equilíbrio. Mas isso não explica por que motivo tantas destas quedas ocorrem em momentos politicamente inconvenientes.

Haverá um esquadrão secreto de assassinos russos especializados em empurrões discretos? Ou talvez os edifícios russos tenham sido projetados por engenheiros particularmente sádicos, especializados em varandas com um coeficiente de atrito suspeitamente baixo? Há também a hipótese de um gato particularmente patriótico a vaguear pelas janelas da elite russa, com ordens diretas do Kremlin para “resolver” problemas.

No entanto, há uma teoria muito mais simples e baseada em precedentes históricos: Putin, ex-agente da KGB, é um grande apreciador dos métodos clássicos de eliminação política. Stalin preferia as execuções em massa, enquanto a KGB dos tempos soviéticos apostava em venenos discretos. Mas Putin e o seu círculo parecem ter um gosto especial por “acidentes”. O que é mais plausível? Um jornalista incómodo sofrer um acidente trágico ou a Rússia admitir que se livrou dele de forma deliberada?

Putin, a ditadura e o manual do empurrão discreto

A ditadura russa nunca se assumiu como tal, preferindo vestir-se com o manto da democracia. Há eleições (fraudulentas), há oposição (envenenada ou exilada) e há liberdade de expressão (desde que seja a favor do governo). Mas qualquer sistema autoritário precisa de uma forma eficaz de intimidar os críticos. E que melhor forma do que transformar varandas em armadilhas mortais?

O regime de Putin opera com a lógica do “aviso exemplar”. Não é só a vítima que importa, mas a mensagem que se passa a todos os outros: “Vejam o que acontece a quem se mete connosco”. Não é coincidência que muitos dos que caem destas varandas tenham expressado opiniões contrárias ao Kremlin pouco tempo antes. A guerra na Ucrânia só intensificou esta tendência, com empresários, ex-funcionários públicos e até médicos a sucumbirem à força da gravidade pouco depois de criticarem Putin ou os seus aliados.

Mas se as varandas russas são tão letais, porque é que Putin e os seus aliados não caem delas? Mistério. Talvez tenham um contrato de exclusividade com a lei da gravidade.

O futuro das varandas na Rússia (e algumas sugestões práticas)

Dado o risco evidente, talvez seja altura de a Rússia considerar uma reforma arquitetónica séria. Algumas sugestões para a segurança dos opositores de Putin:

  1. Proibição de edifícios com mais de um andar – Se não há varandas, não há quedas. Simples.
  2. Uso obrigatório de pára-quedas para jornalistas e oligarcas arrependidos – Precaução nunca é demais.
  3. Almofadas gigantes nas ruas de Moscovo – Uma iniciativa humanitária para reduzir o impacto dos “acidentes”.
  4. Treino obrigatório de equilíbrio para dissidentes – Quiçá com um professor de circo, para garantir que ninguém “tropeça” acidentalmente.

Mas, brincadeiras à parte, o verdadeiro problema não são as varandas. O verdadeiro problema é um regime que se sente tão intocável que nem se preocupa em tornar os seus assassinatos políticos minimamente disfarçados. O mistério das varandas russas é menos um mistério e mais um lembrete de que viver na Rússia de Putin significa viver com medo, até mesmo da própria arquitetura.

E assim seguimos, com a certeza de que, enquanto Putin estiver no poder, a lei da gravidade continuará a ser um instrumento político letal. Para os críticos do Kremlin, talvez o único conselho válido seja: se estiver na Rússia e tiver algo a dizer contra o regime, escolha sempre um rés-do-chão.

António Ricardo Miranda

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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